Neste Carnaval ensinei a Ana a desenhar uma macaca no chão usando
apensas uma pedra pontiaguda, expliquei-lhe o que era ironia e treinámos
mais de meia hora o jogo que eu inventei para treinar ironia e que se
chama #sóquenão,
ensinei-lhe o que é uma duna e a magia de subir até ao topo duma e
descer a rebolar e cantámos juntas a música do Reininho, ensinei -lhe o
jogo da mamã dá licença, ensinei-lhe o sabor da erva azeda e não gostou
tal como eu não gosto, ensinei-lhe que
borboletas podem ser confundidas com fadas que nos protegem e, sem ela
saber, ensinei-lhe que as mentiras de mãe um dia serão compreendidas e
perdoadas, ensinei-lhe o que era um narciso do rio, juncos e lampreias e
que os mosquitos são o animal mais chato do Mundo, ensinei-lhe a
diferença entre um pato e um ganso e que com uma cana ou um pau as
caminhadas se fazem melhor, ensinei-lhe a beleza de um ramo de papoilas e
a secá-las no meio de folhas de um livro pesado e que temos que voltar a
fazer um herbário, ensinei-lhe que os gansos voam sempre em bando e que
as teias de aranha são a construção mais complexa do mundo, ensinei-lhe
o sabor da bolacha americana e o cheiro da Vagueira, ensinei-lhe que
para jogar uno convém arrumarmos o baralho todo por cores e qual a forma
das lagartas antes de virarem borboletas, ensinei-lhe o sabor do
orvalho roubado à pele de uma folha e a dor das urtigas nos dedos,
ensinei-lhe que ler ao sol numa varanda virada para o lago é catártico e
que as viagens de carro passam mais depressa se formos a cantar,
ensinei-lhe o que é uma casa de um guarda florestal e que dormir no meio
dos pais é a memória mais quente e íntima de toda a infância.
Ensinei-lhe pouco, neste Carnaval, comparado com o que ela me ensinou
que foi e é sempre tudo sobre o amor.