Mostrar mensagens com a etiqueta Autopsicoterapia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Autopsicoterapia. Mostrar todas as mensagens

domingo, 29 de dezembro de 2024

Viver é resistir

 Tenho passado os últimos anos num conflito interno sobre o que está na nossa ação e o que nos foge completamente ao controlo.

A minha experiência absolutamente empírica diz-nos que quase a totalidade dos acontecimentos resultam de factores externos que dificilmente controlamos. O que, na verdade, não é muito difícil de gerir por mim que odeio planear e que lido bem com o imprevisto, que sou flexível e adaptável em demasia e que giro muito bem a frustração. Ou talvez até seja porque o mecanismo de coping que arranjei para controlar tudo isto e não me maçar muito é desistir de controlar: assim a vida- essa cínica trágico cómica- já não me apanha desprevenida. Ou talvez apanhe, mas nunca muito.

Continuo, por isso - ou apesar disso (ainda não descobri) - a odiar surpresas. Sei que parece horrível e desromântico mas um dia farei um clube das pessoas fritas como eu que odeiam e dispensam surpresas. Para surpresa já temos a vida.

O Jorge Palma fala nisto numa canção sobre esta coisa de se ser um optimista céptico e o Jorge Palma nem imagina mas todas as músicas que eles escreveu ou escreve são para ou sobre mim.

Esta coisa de formular desejos ou de fazer resoluções de ano novo tem-me parecido parva nestes últimos anos, para além de que é ridículo associar isto a passas (alguém gostará verdadeiramente de passas?) porque enfarde eu as passas que enfardar- ou vista na passagem de ano as cuecas da cor que vestir- nada faria prever as cirurgias aos olhos da minha mãe, o internamento e as dores chatas, os livros todos que me ficaram por ler, o frigorífico que só tinha 3 anos e pifou, o inundação na casa, as férias adiadas com a minha melhor amiga, a minha incrível falta de vontade de partilhar o que escrevo, os quilos a mais, o cabrão do cabelo quebradiço mesmo que eu não o pinte para o poupar, os problemas nos dentes da miúda mais a mudança de escola que tardou a acontecer e a culpa materno judaico-cristã, mais a guerra na Ucrânia e na Palestina, o Trump nos States, o horror da Pelicot, o aquecimento global e a vida.

Talvez tenha só concluído que viver é, sobretudo, resistir a estes caldos e belinhas da vida, às vezes socos e pontapés.
E responder com um pirete assim.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Andorinha

 Em 2021 senti-me profundamente triste. E aflita. E impotente E devastada. Tive terror em perder a minha tia e perdi o meu tio num momento de terror. Confortei a minha prima. Alimentei o meu outro tio. Percebi definitivamente que nunca mais retomarei relações com a minha outra prima Tomei conta de muita gente e pouca de mim. Fui promovida na pior altura para o ser. Trabalhei horrores. Tive muitas mudanças no trabalho até que apareceu a Ana Lúcia para me serenar. Serenou. Ajudei a organizar uma manifestação pela vida independente. Gritei num megafone. Fiz uma vigília e dormi à porta da Assembleia da República. Reforcei a certeza de que o meu casamento é para sempre e que há amores para a vida toda (até podem não haver casamentos, mas amor há!). Perdi a Joana. Dei centenas de horas de formação. Vi a Monalisa. Tive o melhor jantar do ano aos pés da Torre Eiffel. Vi, finalmente, toda a Casa de Papel. Tive pouco com amigos. Voltei a organizar campos de férias. Diverti-me tanto na Isla Mágica. Fui vacinada. Falhei nos exames de rotina da mama mas compenso em breve. Passei o dia da mãe com a minha mãe sem máscara e viseira. E com a Ana. As três na Lx Factory. Vi um espectáculo de flamenco ao vivo. E comemos tantas tapas, os três felizes em Sevilha. Comovi-me na Eurodisney. Namorei muito no Verão com tinto de Verano e Manchego. No meu aniversário um conjunto de bandalhos bons juntou-se no mato para me cantar os parabens. Foi tão importante para mim. Comi marisco em São Martinho do Porto. Fui feliz em Elvas com a Inês e o Bruno. Recebi os meus sogros em tranquilidade. Li pouco. Fui a Itália em trabalho e conheci gente incrível A Ana fez a sua primeira comunhão. A minha mãe esteve sempre por perto e isso é tudo para mim. Fui feliz com a Eillen a cantar a banda sonora da Tieta. Fiz yoga no Moinho de Maneio. A Ana cresceu, cada vez mais pessoa inteira e boa. Aprendi a jogar Rummy. Permiti-me a falhar e abracei a vulnerabilidade com auto-compaixão. Em 2021 fui uma andorinha sempre em vôo numa constante tentativa de regresso a casa.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Gostava de morrer velha.




Gostava de morrer velha. Velha, velhinha. Ainda melhor, gostava de morrer velha e de velhice. Como se a vida quisesse pedir a conta final e fechar a despesa, satisfeita e de papo cheio, pronta a levantar o rabo da mesa e sair de mansinho, olhos fechados, memórias arrumadas, papo cheio, sensação de fecho da loja.

Contas feitas, fecharia os olhos, papudos e enrugados, com aquele esverdeado que todos os olhos dos velhos ficam, verde árvore para se poder regressar à terra com a copa a tocar no céu e largariam a VT, acho que se diz assim nos programas de televisão, com os momentos mais felizes que acumulei.

Nesse pequeno trecho, de uma vida longa, apareceriam os burros do @moinhodomaneio, as ondas do mar negro do cabelo da Anabela sem mariquice nem nhonhozice a darem-nos as boas vindas de verdade, o ribeiro que desbravamos com a canoa azul e gargalhadas amarelas de sol, os saltos da minha filha no trampolim e os risos a chegarem bem alto no espaço, caudas de sereia na piscina, agora a Eillen e eu a gargalharmos, à ceia, enquanto cantamos a banda sonora da Tieta do Roque Santeiro depois de jogarmos Remmy a beber chá de caramelo e a comer broas de mel e estas manhãs preguiçosas em que quero sair para o pequeno almoço e a Ana dorme no meio de nós, as persianas de madeira azul a rebentarem para nós deixarmos entrar o sol e a vida que é vivida no presente, que deve ser vivida como um presente. Uma cauda de sereia a secar à porta, no fim.

Queria morrer velhinha agarrada ao papel colorido da vida que desembrulhei, contemplando o passado que foi um presente, mete-lo debaixo do braço e dizer adeus, estava tudo óptimo, obrigada, sim?
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...