O GPS tinha-nos enganado.
Nós não stressamos com imprevistos e até sabemos que é dos enganos que muitas vezes se chega a sítios inesperados e ainda melhores. Mas estávamos num trilho terrível, curvas e contra curvas, numa serra que não conhecíamos e num caminho de terra demasiado estreito para o nosso carro com penhascos lá em baixo.
A Ana cantarolava lá atrás no banco, completamente alheia ao perigo que corríamos. Eu estava em pânico, a ansiedade no pico máximo, com arritmia e completamente descontrolada. Queria parar, voltar a pé, sair do carro e gritar, chorar, ligar para o 112 e pedir socorro, ai que se vem um carro de frente e nós não temos qualquer visibilidade, embatemos, caímos no penhasco e morremos. A Ana continuava a tagarelar, eu estava perdida em orações e a pensar que estava a segundos de ter a primeira crise de ansiedade da minha vida e não podia. Não podia mostrar descontrolo à minha filha, não podia entrar em pânico, tinha que permanecer segura e aparentemente sob controlo.
Olhei para ele, ali ao lado, pálido e calado, com os maxilares tensos, a transpirar por todos os poros, corpo rígido. Ele estava a conduzir-nos, tinha a vida de nós os três nas mãos, não dizia nada. Não podia mostrar desconfiança na condução do meu marido, tinha que me manter optimista e controlada, tinha que o ajudar a tirar-nos dali.
Então, respirei fundo-muito fundo- e fui buscar energia, serenidade e gestão das emoções à menina que ficava, aos 5 anos, internada no hospital meses seguidos, a sentir-se sozinha e perdida quando acabava a hora da visita e a minha mãe tinha que sair e a noite chegava e eu só me podia valer a mim mesma. Eu ainda sou essa Liliana, progressivamente segura e controlada, racional e objectiva: tens que ficar, é para teu bem, isto vai passar, não tarda muito tens alta e vais para casa.
Abri os olhos e comecei a falar com ele: este caminho vai acabar, não sabemos daqui a quanto tempo, mas vai acabar, vamos com calma, somos uma equipa, buzina duas vezes em cada aproximar de curva para que nos ouçam, está quase, vai correr bem.
Correu. Chegámos à aldeia azul da cor dos olhos deles. Vivos, unos, equipa. Família. Respirei fundo, enfim