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sábado, 15 de junho de 2024

New race

 Ao princípio não foi simples. Eu tive medo mas achei que o Mundo e os astros estariam em sintonia com os valores com que te temos educado e que tudo se iria ajustar. Eu tive medo, já disse? Esta também é a minha primeira volta no carrossel da vida e muitas vezes nao consigo acompanhar o balanço e só fico tonta e nauseada. Tambem na tua educação. Principalmente na tua educação.

Acabou por nunca ser simples. O Mundo e os astros desalinharam-se muitas vezes. E os valores com que te temos educado mostraram que eram os melhores para ti, apenas e apenas se vivessemos num Mundo onde estes valores de compromisso, diversidade, humanidade, integridade e o respeito inabalável por quem se é, sem desvios nem vontade de existir em função das expectativas dos outros, de se ser fiel ao que se acredita sem querer ser o que o outro espera, esta maturidade no estabelecimento de limites, fossem universais. Não são.
Pedimos muitas vezes que te ajustasses. Que flexibilizasses. Que nao levasses tão a sério os teus dogmas e as tuas crencas. Até que percebemos que nunca podemos pedir que deixes de ser tu em função do colectivo, da norma. Na verdade, nunca te educámos para a norma.
Nunca te desviaste do teu caminho. Essa rigidez que tantas vezes nos preocupa dá-nos o alento de acreditarmos que, de tudo o que de bom te ajudámos a ganhar, a tua integridade foi a nossa maior vitória. És inabalável. O orgulho que sentimos de ti.
Entraste com dez anos acabados de fazer. Corrias aos saltinhos para o portao, com a mochila maior que tu, cheia de nervos mas sempre com coragem e valentia.
No fim não foi fácil. Nunca foi fácil.
Hoje foi o ultimo dia e, no proximo ano, nao sabemos o que nos espera. Mas temos esperança que encontres a tua tribo. "Hoje estou felistre, mãe"-disseste de manhã. "Felistre" é o meu novo neologismo preferido. Eu diria ambivalente mas, na verdade, estou feliztre contigo: feliz pelo novo ciclo que nos espera, triste porque nunca foi fácil. Mas a vida é muito este equilibro entre a felicidade e a tristeza.
Hoje foi o ultimo dia de uma das tentativas do primeiro dia do resto da tua. Muitas te esperam vida fora. Nao e game over: é new race. May the odds be in your favor.

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Aos 9 de Agosto de 2023, à Ana por ocasião do seu 11º aniversário

 No outro dia dizias-me, naquelas lições que me dás muitas vezes e em que eu, deslumbrada, te vislumbro mestre, qualquer coisa como "eu estou a descobrir quem sou".

E eu fiquei muito tempo, Ana, com as tuas palavras sementes a ganharem raízes na tua cabeça e depois flores quando percebi que tinhas, numa frase, resumido a essência da adolescência.
Eu gostava de te dizer que já descobri quem sou para te guiar, levando-te pelas mãos do lado de dentro do passeio, sempre o mais seguro, para esse lugar que procuras descobrir mas a realidade é que não sirvo para GPS. Mas sirvo para companheira de viagem porque, também, noutra etapa do caminho, procuro todos os dias o mesmo que tu: "descobrir quem sou".
Então, concluí que a tua frase nao só resume a essência da adolescência mas da própria vida.
Não sei sempre quem és e tenho a certeza de que já foste, já fomos ambas, outras coisas e que seremos, ao longo do caminho, mil outras possibilidades. Ser é uma coisa complexa e fluida, não rígida e fechada, e foi contigo, é contigo, que eu entendo tudo isto sem angústia nem ânsias de chegar a conclusões, apenas com a humildade de aceitar que este é somente um caminho e que bom que é percorrê-lo contigo, que maravilhosas as vistas, que incrível a conversa e ideias esgrimidas durante a caminhada, que aconchegantes e intensos os silêncios, que magia de acertarmos os passos tantas vezes.
Eu também quero descobrir quem és, em todas as tuas idades e versões, desejando que te mantenhas equilibrada na corda bamba da adolescência, alinhada com o bem que é como uma procissão e volta sempre ao lugar de onde partiu. Que nunca te faltem mantimentos de auto-confiança, que os teus sapatos de caminhada nunca cedam aos pisos irregulares e com pedras, que nunca te preocupes com tempos e marcas e competição mas que nunca te esqueças do foco, do propósito e da desfrutar o caminho. Todos os pontos cardeais e todas as estrelas do céu te guiarão no caminho certo porque, um dia perceberás isto melhor que nunca, a tua bússola está sempre mas sempre contigo, implantada no teu coração.
Feliz aniversário, meu amor, aqui estou para descobrir contigo quem és. E és sempre o meu amor.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Aos 9 de Agosto de 2022, à Ana por ocasião do seu 10º aniversário

Há dez anos deixaste de ser uma imagem difusa, abstracta, a preto e branco e estática nos monitores das ecografias.
Às vezes fico a pensar em quem eu era antes de me tornar tua mãe e era uma pessoa diferente, Ana, muito diferente e também por isso, para além de um novo papel social, muito para além disso, trouxeste uma nova pessoa que cabe de forma muito mais confortável em mim, como se a tua vinda tivesse obrigado a ajustar-me e a caber melhor na minha cabeça e corpo e, de repente, contigo ao colo tivesse finalmente chegado à casa de mim.
Há dez anos conheci-te e nunca te estranhei porque te havia sonhado, toda a vida, exactamente assim como és, tão perfeita e tão gentil, tão serena e tão curiosa, com alma de crescida e sorriso de criança, com coração com a idade de todos os nossos antepassados.
Trouxeste-me tudo e a mim mesma, trouxeste-me as pazes com o passado e a esperança no futuro, trouxeste-me expressões de cada um de nós, trouxeste-me um mundo novo inversamente proporcional ao que conhecia de ti até então e tudo se tornou espantosamente claro e concreto e cheio de cores e movimento, cheio de graça, cheio de ti.
Trouxeste-me a infinitude do amor.
Dizem que te dei à luz, que te dei vida mas hoje, dez anos depois, conto-te um segredo: foste e és tu que, todos os dias me dás vida, luz e sentido a mim, filha farol, filha minha.
Feliz ano novo, Ana. Ainda não foram inventadas palavras para explicitar o quanto te amo por amor sem fim, sim, só a ti.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Cravo humano

 



Estávamos com preguiça de sair de casa. E depois eu disse: "É bom ter a liberdade de sentirmos preguiça, de podermos escolher e tomar opções, de podermos decidir não ir aos sítios onde devemos ir sem termos consequências, é bom vestires calções e andares na escola e eu ter trabalho fora de casa e educação, sendo mulheres e é bom o pai não ser obrigado a ir lutar para uma guerra a defender países que nunca deviam ter sido reclamados por nós e não sabermos se ele volta com vida".

E tu percebeste e foste ao quarto e mudaste de roupa. "Sou um cravo humano, mãe!"

E enquanto descíamos a avenida, à sombra de cânticos que agora fazem mais sentido, tu abraçavas o pai, contida e observadora, nós gritavamos alto, em liberdade e já sem preguiça porque a democracia fez-se sempre por quem levantou os rabos do sofá e tu permanecias calada.

Passámos por vários cartazes e pessoas, e imagens e símbolos e eu disse-te baixinho: "sabes, Ana, para mim o dizer mais bonito é aquele cartaz com uma frase de Sophia: a poesia faz-se nas ruas" e continuaste calada, a observar tudo o que se passava em redor, as pessoas sem medo de estarem juntas depois de dois anos de pandemia, as bocas sem máscaras e com sorrisos a cantar, abraços e beijos a florescer em cada esquina, novos, velhos, cravos vermelhos em todos os lados, sol a raiar sobre as árvores que emolduram a avenida.

"És de facto um cravo humano, Ana"- repeti-te a sorrir. E não era da tua roupa que falava, tu que és a maior esperança de liberdade em mim.

E, pela primeira vez, em mais de uma hora olhaste em frente e escolheste o cântico que fazia mais sentido para ti, na tua voz de nove anos e liberdade nas veias: "o povo unido jamais será vencido".

A poesia faz-se, de facto, nas ruas. Nunca deixes de pisar o alcatrão com o povo, Ana. Só assim nunca serás vencida.

Meu cravo humano. Minha flor. Liberdade em mim.

domingo, 16 de janeiro de 2022

A estrela da serra



Subimos a serra devagar. Era fim de tarde e tínhamos esperança que quando o sol se pusesse ficasse mais frio e pudesse nevar de verdade. À medida que íamos subindo e os graus descendo, vimos que o que havia de neve era miserável, à excepção de numa pequena encosta que vislumbrávamos. Chegados à Torre percebemos tudo e fomos fazer tempo a beber um chocolate quente enquanto as senhoras faziam o fecho do café e o sol, realmente, se punha. Fomos os últimos clientes. O trânsito para descer a serra intensificava-se e nós a vê-los todos, um a um, partir.

Quando só restávamos mesmo nós ligaram os aspersores gigantes de água para que a mesma gelasse assim que batesse na dita encosta. Neve à força mas, ainda assim, neve. Neve para no dia seguinte alimentar a escola de ski. Neve, ainda assim.

E, nesse instante, em que a neve era fabricada à força da vontade do homem à nossa frente por aspersores gigantes e holofotes- e já sem nenhuma alma em redor- subimos a pista vazia, com sacos de plástico do lixo e descemos uma, duas, dezenas de vezes a encosta, com tombos e gargalhadas, escorregadelas e corridas para ver quem chegava primeiro lá baixo.

A minha filha gargalhava tão alto que era como se a Serra se fechasse para a ouvir, lua cheia no céu, três graus abaixo de zero, eco, neve e estrelas. Não perguntou porque os aspersores faziam chover água, o que eram os holofotes, porque não lhe tínhamos comprado um trenó e lhe tínhamos dado um saco de plástico para a mão. Não perguntou nada. Escorregou, subiu, voltou a escorregar, gargalhou sempre. Ininterruptamente.

Já cansados e de barriga cheia de neve, sozinhos no alto da serra e no caminho para o carro abraçou o pai. Eu fiquei para trás para os fotografar e, logo a seguir a este click, esperaram por mim e ela abraçou-me também: "Agora já descobri porque se chama serra da Estrela, mãe!". Porquê, Ana? " Porque a neve mágica é só mesmo a esta hora da noite, à luz das estrelas, não é?" Sorri e acenei. "Faz sentido. Por isso é que não fica aqui ninguém até à noite: deve ser mesmo um mistério bem guardado. Podemos combinar uma coisa os três?" Conta! " Este fica o nosso segredo: não contamos mesmo a ninguém!"

Shiiiiuu!

domingo, 8 de agosto de 2021

Aos 9 de Agosto de 2021, à Ana por ocasião do seu 9º aniversário

Há nove anos era sobre mim. 

 Sabia que este era o último dia em que não seria mãe, o último dia em que seríamos dois, o último dia em que a minha vida seria diferente, não sabia eu do quê, mas diferente de certeza. 
Não me enganei. Mas não sabia nada, ainda assim. Porque quem está grávida de primeira viagem nunca consegue sequer imaginar um ínfimo com o que vai contar. 

Neste dia, há nove anos, eu não sabia. Achava que deveria ser bom. Nunca conheci nenhuma mãe com saúde mental não ser extraordinariamente feliz nesse papel. Portanto, iria ser bom, de certeza. Fosse lá isso da maternidade o que viesse a ser. Mas depois foi. Ou melhor, fui. Fui mãe, fomos três, foi a vida a dar a maior cambalhota de sempre. 

E essa foi a grande mudança: deixei de conjugar o verbo ser no singular e passei a fazê-lo num plural, apertado e simbiótico, do qual nunca deixarei de fazer parte. Nunca mais serei uma. Nunca mais serei só eu. Porque todas as células do meu corpo respiram para proteger e amar aquele ser pequenino, neste dia há nove anos, ainda mais pequeno, escudado pela minha carne, sangue, ventre, útero, entranhas. 

Amanhã finalmente cá fora, exposta ao Mundo mas, ainda assim, desde então, todos os dias engolida pelo meu amor, cuidado, preocupação e afecto. Protecção. 

 Há nove anos eu achava que já era mãe. E era. Mas nisto da maternidade todos os dias contam, todos os dias somo amor, instinto e a essência duma existência maior, mais robusta, mais fibrosa que só nasceu quando te pari, Ana. 

Amanhã fazes 9 anos mas hoje celebro eu 9 anos desde a minha despedida de ser uma, desde que deixei de existir só. Ser mãe é deixar de ser singular. Que passaste a ser o meu plural.

 Há nove anos que já não é sobre mim. E ainda bem, Ana. 

domingo, 1 de novembro de 2020

8 anos

 



Porque é que não há comida azul? Porque é que os chás e o atum vêm em latas e as salsichas e o grão em frascos? Os búzios namoram com as conchas? Porque é que os famosos querem ser famosos se depois não gostam que os reconheçam e falem com eles? Porque é que os homens baixos não usam sapatos de salto alto? Os nervais têm poderes mágicos debaixo de água? Porque é que há queijo de vaca, cabra, ovelha e não há de porco? Porque é que o Japão que é uma ilha inventou o sushi para conservar o peixe e os Açores inventaram pacotes de leite e queijo? Porque é que há quem ache que o mundo não é redondo e embirram é com as crianças que acreditam em fadas? Se me dizem que as fadas não existem porque nunca as viram porque é que acreditam em Deus se também nunca o viram? Há países onde não há quatro estações do ano: como será a quinta estação do ano? Primaveral ou outoverno? Porque é que não há uma dança típica portuguesa para um casal dançar como o tango na Argentina e o flamenco em Espanha? Se há bonsais, não deveria também haver animaisais? Porque é que põem actores sem deficiência numa cadeira de rodas a fingir que têm deficiência se isso é tão estupido como pintar um actor branco para fingir que ele é castanho? Porque há um dia da igualdade se toda a gente sabe que devíamos era ter um dia da diferença? O papa é o CEO da igreja? Porque é que não há flores com as pétalas verdes? Porque é que há países onde o cabelo das mulheres tem que ser tapado por causa dos olhos dos homens: não deviam eram tapar os olhos deles? Porque é que se nasce a chorar em vez de a rir? Não devíamos aprender língua gestual na escola? Porque é que os cozinheiros mal criados é que têm programas na televisão em vez de serem os simpáticos e gentis? As fadas, os unicórnios e o Pai Natal vivem todos no mesmo Bairro? Como é que os meninos cegos constroem puzzles e fazem legos? Se os filhos nascem da barriga das mães, as mães quando têm que morrer não deviam murchar na barriga dos filhos?

Ana: há oito anos a abanar o meu Mundo.

domingo, 9 de agosto de 2020

Aos 9 de Agosto de 2020, à Ana por ocasião do seu 8º aniversário

Sabes, Ana, este era um aniversário que eu ansiava. Oito anos é uma idade importante para mim e não é pelos melhores motivos. Mas sabes que te conto sempre a verdade do Mundo, mesmo que a verdade doa. Tinha 8 anos quando eles se separaram. Sei que não me ouves falar do meu pai mas eu gostava muito dele antes de desgostar isto tudo que desgosto. É estranho desgostarmos de um pai, não é? Percebo-te bem na medida em que tens o melhor e mais dedicado pai do Mundo. Dizia-te eu que tenho gravados os meus 8 anos como o ano em que os meus pais se separaram mas, na verdade, o que conta é que esse foi o ano em que me senti desamada pela primeira vez. Talvez por isso ansiava que chegassem os teus 8 anos, felizes e tranquilos, seguros e, especialmente, amados, cuidados e queridos incondicionalmente, por todos. Como se pudesse, através de ti, dar colo à menina de 8 anos que fui, dar-lhe beijinhos nas esfoladelas da alma, apagar o desamor sentido à estreia. A psicologia explica e um dia posso-te explicar tudo, vantagem de quem tem pais psicólogos, né? Crescer dói sempre, filha. Porque implica escolher e aceitar escolhas circunstanciais que a vida nos atira sem que peçamos. E todas as escolhas implicam um ganho do que se escolheu mas também uma perda do que se deixou por escolher. Aceitar e viver bem com isto é o maior desafio da nossa existência. Assim que perceberes que é assim que funciona tudo será mais fácil. Não te posso spoilar a vida, Ana, porque isto é absolutamente imprevisível e dinâmico. Essa também é a parte que tem graça. Desejo que cresças forte e segura. Não segura de ideias, que elas evoluem. Nem de dogmas ou convicções. Nem sequer de quem tu és porque vamos sendo diferentes pessoas ao longo da vida. Mas segura incondicionalmente de que és amada por nós e que nunca sairemos de perto de ti. Nunca será o último aniversário que, por nossa escolha, passaremos contigo. Como foi o meu oitavo, o último em que desconheci o desamor. Não aches que isto não é um final feliz porque sou tua mãe e tu consertaste, célula a célula da minha vida, a forma como vivo o amor. Como amo e sou amada. Eu ensino-te a verdade do Mundo mas tu retribuis-me com toda a verdade sobre o amor.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Deus é sereia

Quando chegámos à Fuzeta olhaste para a areia com os olhos muito esbugalhados: taaaaantas conchas, mãe! 

Eu sorri e convidei-te a descalçares-te e começaste a explicar-me que as sereias só visitam as praias com areias cheias de conchas. Que são estas conchas as jóias que as sereias já não querem usar e assim as disponibilizam aos humanos. E a cada concha que apanhavas havia uma expressão de espanto: olha esta toda riscada, olha esta com tantas cores de arco-íris por dentro, olha este búzio que enroladinho. 

O gáudio de te ver durante mais de uma hora a maravilhares-te com pedaços do mar da cor dos teus olhos. 

E quando o sol começou a mergulhar no horizonte sentaste-te, cansada e em silêncio, e encostaste-te a mim, sentadas à chinês no areal. E eu levantei-me, enfim, e enquanto virava as costas para irmos beber um chocolate quente ali no borda d’água e tu um chá de limão e aquecermo-nos, comecei a ouvir um barulho repentino da maré a encher, a água a subir inesperadamente, o mar há um minuto parado e quieto, agora, de repente, a manifestar-se. 

Olhei para trás e estavas estarrecida: “mãe, shiiiiuuu! Ouve as sereias a abanarem as caudas debaixo do mar e a dizerem-nos adeus!” 

E depois um sussurro: “adeus, sereias! Adeus!” 

E ensinaste-me neste fim de tarde, Ana, tudo o que é importante saber sobre fé e amor, crença e sonho. Deus pode ter cabelos de algas e cauda de sereia. 

Obrigada por trazeres até mim esse segredo sem filtros, como esta fotografia, como tu, querida Ana, meu grande amor.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Aos 9 de Agosto de 2019, à Ana por ocasião do seu 7º aniversário



Há sete anos não dormi ansiosa por tu chegares. 

Esperei-te como quem espera todas as estações do ano: esperei-te como quem espera a primeira flor de cera no vaso lá fora que só brota uma flor por ano, esperei-te como quem espera o primeiro dia de praia com o mergulho silenciado por outono, inverno e primavera e o sabor do sal a abraçar-nos a pele, esperei-te como quem espera o primeiro chá quente e scones a sair do forno em tardes de vento e chuva, esperei-te como quem espera a meia noite da véspera de Natal. 

Esperei-te, Ana, como quem espera o amor completo. 

Ontem, depois de quase uma semana de ausência, depois de reclamares a atenção que é tua por direito, depois de pedires colo, beijos e abraços, cafuné e chamego, depois de empurrares cadeiras de rodas, ajudares a transportar tabuleiros no refeitório, de brincares sentada no chão porque se eles não podem usar as pernas tu também não queres usar, depois de teres abraçado a menina que caiu, depois de teres ajudado a pentear outras meninas mais velhas que tu e ajudares a calçar o menino que teve um surto, achei que te tratávamos como uma adulta. 

Olhei-te de fora e vi-te, crescida e madura como as primeiras cerejas, os primeiros figos de setembro, os dióspiros mais melosos e as laranjas mais sumarentas. E chamei-te, culpada por esperar tanto de ti e abracei-te, era meia noite e estavas de vassoura a varrer a sala de formação: “Parabéns, meu amor! Desculpa não nos temos conseguido despachar mais cedo! Desculpa não estares ainda a dormir! Amanhã o dia é só para ti!”.

 E tu, cansada e ansiosa por virmos passar este dia a casa, abraçaste-me: “não faz mal, mãe: eu gosto muito de te ajudar a ajudar os meninos da colónia!” 

Esperei-te há sete anos e admirei-te em todo o esplendor de uma natureza completa como nesta noite de vassoura nas mãos e a doçura de todas as frutas maduras no coração. 

Esperei-te há sete anos como quem espera o amor. Obrigada por mo trazeres inteiro e completo. 

Sete anos, Ana. 

Há sete anos saiu-me o sete no Totoloto: és o meu jackpot. 

Parabéns, meu amor!

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Aos 9 de Agosto de 2018, à Ana por ocasião do seu 6º aniversário

Seis anos. Fecha-se um ciclo e eu sinto-me expectante pelo que aí vem sem deixar de sentir uma ponta de nostalgia pelo que passou. 

Em ti, Ana, já não há quaisquer resquícios do bebê que foste: não há chuchas, dormes sozinha, não há elementos de transição nem tiques de primeira infância, comse sozinha, a voz já não é de bebé nem no tom nem na articulação de palavras, estás com um timbre natural deliciosamente rouco e já lês tudo. Continuas a procurar o meu colo e a pedir-me beijinhos nas feridas até que a parva da pré-adolescência te traga a mania que és auto-suficiente e crescida demais para o afecto. 

Antes de dormir disse-te: “Estás a crescer tão depressa, Ana! Já sabes tantas coisas do Mundo” e tu abraçaste-me e suspiraste, num tom de fado que só usas comigo, “eu não sei nada, mamã!” Respondi que sabias sim e que cada vez menos precisavas de mim para os rituais do dia-dia. “Já comes sozinha sem ajuda há que séculos” “Mas preciso que tu me cozinhes e sopres a comida antes de vir para a mesa para eu não me queimar” “Também já fazes a cama sozinha!” “Mas preciso que no fim tu dês sempre um jeitinho” “Já lês letras e frases” “Mas preciso que tu leias os livros inteiros porque são muitas frases e me canso” “Já tomas banho sozinha!” “Mas preciso de ti para me tirares espuma do cabelo” Sorrio.

 Tu sorris-me de volta e metes-me a mão no pescoço, abraçando-me. 

Repito baixinho para me convencer “eu serei sempre a mãe que sopra a comida, que lê as histórias grandes quando o sono não permite, que dá o jeitinho na cama, que tira a espuma no fim do banho, a mãe que compõe”. Não te quero fazer sentir este peso. “Mas sabes, Ana, não tem mal nenhum não precisares da mãe! Quando crescemos é normal!” “Sei, mãe. Mas também não tem mal nenhum continuar a precisar para sempre...” 

Estás a crescer, Ana, depressa e ainda bem porque és tu quem me ensina, agora, tantas coisas do Mundo, enfim.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Aos 9 de Agosto de 2017, à Ana por ocasião do seu 5º aniversário

 No dia em que fizeste 5 anos não consegui tirar os olhos de cima de ti.

Antecipo-te cada gesto, cada mordiscar de lábio quando estas nervosa, cada arregalar de olho quando estas excitada, cada gargalhada quando estás pronta a fazer um disparate.
Ando neste namoro há cinco anos, de te (re)conhecer, de aprender quem és e como devemos gerir a nossa relação e o nosso afecto, de como te educar e amar, de como viver contigo aqui.
Nem sempre tem sido fácil, não te minto. As maiores dificuldades tem sido gerir as minhas expectativas e projeções, fazer o luto da filha que idealizei e passar a amar a filha que tu és e eu gosto tanto de ti assim tão diferente de tudo o que eu estava habituada a lidar. Não és uma Mini me e hoje sei que ainda bem. Não és uma extensão de mim nem sequer temos traços de personalidade semelhantes. Somos diferentes e complementares e todos os dias aprendemos a vida uma com a outra. E ainda bem.
Aprendi a observar a tua segurança de seres quem és e a incentivar a exploração de todas as tuas características tão únicas e a não cederes só porque os outros constroem, projetam ou esperam de ti. Ninguém tem que esperar. Porque tu és nova, fresca e única.
Não és extrovertida como eu, nem sociável nem eufórica. Não és tímida como o teu pai, nem loba solitária nem introvertida.
Seleccionas bem tudo: a quem entregas o teu afecto, a quem dedicas a tua atenção, as piadas que merecem a tua gargalhada. Não és agradadora nem fazes nada para alimentar o ego dos adultos em teu redor. Estás demasiado ocupada a seres tu.
Aprender-te tem sido melhor desafio da minha vida e fico assim-como nesta foto-como neste dia- espantada e deslumbrada por tudo o que de novo me apresentas com cinco anos: essa segurança, essa confiança, essa certeza de não te quereres dobrar pelos outros quando os outros não te importam, essa firmeza de seres quem és e de esperares- com toda a naturalidade do Mundo- que nem questionemos ou aceitemos mas que simplesmente te amemos assim. E amamos. Tal e qual assim.
Com este deslumbramento no olhar. Há 5 anos que somos mais felizes por tua causa. Não por causa da filha que projetámos ou construímos mentalmente. Mas por causa de ti. Real. Assim.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Aos 9 de Agosto de 2016: à Ana por ocasião do seu 4º aniversário



Fazes quatro como uma espécie de teste de equilíbrio que trouxeste às nossas vidas.

És o meu maior amor e amar-te faz parte de mim como respirar, ter pulsação ou sorrir involuntariamente quando estou feliz.
Amo-te pelo que és e somos tão diferentes em tantas coisas. Amo-te pelas novidades que me trazes todos os dias, pela pessoa que te revelas a cada momento como um tesouro no fundo do mar, que se descobre devagarinho, quando mais fundo se mergulha, quanto mais abertos conseguimos manter os olhos debaixo de água, quanto mais crescemos juntas, tu e eu.
Amo-te em todas as nossas diferenças de personalidade, de gostos, de reacções ou formas de estar. Amo-te em cada reacção, em cada acção, em cada gesto, em cada obstáculo ultrapassado, em cada conquista, em cada resposta, em cada "amo-te, mamã!" que me dizes de repente, em cada birra, em cada pedaço de ti.
Nasceste dia 9 e eu sei que não foi por acaso. Trouxeste às nossas vida esta prova dos nove e alertaste-nos para cada erro, acertaste todas as contas das nossas vidas, puseste cada coisa, cada emoção, cada afecto, cada pedacinho do coração no sítio certo, sem margem de erro, sem subtracções nem divisões, só somas e multiplicações. E exponenciais.
Somos maus de matemática, nós os teus pais das letras e dos desenhos, das histórias e das cantigas, dos colos e das cavalitas, dos abraços de família. Tu trouxeste-nos a magia dos números que amas, das contas que te desafiam, dos dedos estendidos a fazerem cálculos, da prova dos nove e deste quatro que fazes hoje, como um teste de equilíbrio que trouxeste às nossas vidas.
Um teste de equilíbrio superado.
Fazes quatro, querida Ana, com o equilíbrio das 4 estações do ano, com a precisão das pontas dos compassos e com a plenitude dos quatro elementos. Com o espanto de um trevo de quatro folhas. 
Quatro anos, querida filha: olhos de água, cabelo de terra, coração de fogo e sorriso do ar que faz todo o céu.

Feliz Ano Novo, meu amor. Para sempre.


[Texto escrito a 09-08-2016]

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

" O coração de mãe fica branco (sem pinga de sangue) quando um filho dá um grande trambolhão."


A frase é da Isabel Minhós no meu livro favorito do planeta Tangerina. E não poderia traduzir melhor o que senti na sexta-feira. 
A Ana tinha chegado à feira, bem disposta e faladora, cheia de energia e boa disposição. Era um princípio de noite feliz, a três, a ajudar no projecto bebé d'A SEITA. Jantámos cá fora no recinto, com luzinhas e ambiente de arraial, comemos arroz doce no final, a Ana feliz e saltitona, as suas gargalhadas a embalar-me. 
Fui para a banca ajudar o Sérgio. A Ana foi brincar com o pai, nuns bancos corridos dentro do pavilhão. Ao longe ouvia-se ruído de fundo, copos cheios de vinho de Bucelas a tilintar, gente a rir, frases no ar, vozes felizes de sexta-feira à noite. De repente um barulho. Estiquei a cabeça, apurei o ouvido, não ouvi nenhum choro. O meu marido a correr na minha direcção, a cabeça da Ana pousada no seu peito, o corpo sem sentidos. Eu fora de mim, controlada e robótica, a minha voz como se fosse de outra pessoa: "Ana! Ana, filha! Ana, acorda, filha! Ana". A Ana abriu os olhos e estendeu-me os braços, os seus olhos mortiços, nunca tive tanto medo na minha vida, a Ana a vomitar uma vez, duas. A Ana a chorar baixinho, sem berros, sem pavor, baixinho. Eu a passar por cima do chão sujo dos detritos alimentares, a correr, a ir ter com os bombeiros, eu modo autómato, eu sem ver ninguém, a cabeça da Ana no meu peito, a Ana mais leve e mais pesada que nunca. ~
A minha voz, calma e controlada, a falar por mim, eu sem qualquer controlo no controlo que todos viam. O INEM, a Ana a não querer mobilizar-se na maca, eu a dar-lhe colo, outro vómito, choro baixinho, eu a mantê-la alerta e consciente, "Ana de que cor é esta gavetinha da ambulância?", "Ana, vamos cantar uma canção?", "Ana, quando é que fazes anos?, "Vamos contar até 20, Ana, minha Ana?". O meu coração às pintinhas, "Ana, não morras!", "Ana, fica bem, Ana", "Ana, meu amor, és a minha vida". 

"Quando um filho fica doente, o coração de mãe fica às pintinhas (e muito mais pequenino…)

Pulseira laranja no hospital desconhecido para nós, eu sozinha com a Ana, o pai em pranto para trás, em missão, não podíamos deixar dois cadeirantes pouco autónomos sozinhos na feira, o meu telefone a avisar a falta de bateria, eu com vontade de chorar, a minha carcaça sempre calma, imperturbável, não podia mostrar à Ana que estava com medo, paralisada de medo, em pânico, no maior terror que já sentira na vida. "Ana vamos ver uma máquina divertida?" "Dói-me a cabeça, mãezinha!" Aquele "mãezinha" a esmagar-me o peito, a minha filha ao meu colo, sempre ao meu colo, a chorar baixinho, nunca gritou, a médica a sugerir que lhe dessemos um xarope para a acalmar enquanto fazia a TAC, eu em pânico, o estigma da TAC, eu por fora a dizer que não, que ela iria ser colaborante, que não era preciso. A Ana, pequenina, três anos de gente, a pousar a cabeça numa almofada demasiado grande para ela, a entrar na máquina da TAC, quietinha a olhar para cima, "amanhã não há escola, Ana, vamos ficar as duas em casa, só as duas, no quentinho, a brincar a tarde toda". 
A Ana a sair, o meu colo como uma fechadura para a chave que é a Ana, a médica a mandar dar-lhe soro de 5 em 5 minutos, a Ana a não querer, ele a entrar a correr, meu amor, a abraçar-me, a beijar-me a fronte, ele sabia que eu precisava de colo, meu querido. A Ana outra vez, a ficar com sono, nós a deixarmos adormecer aos bocadinhos, a acordá-la pontualmente, a Ana cansada, exausta, do susto, do medo, dos berros que nunca chegou a largar. A minha grande amiga Rosa a mostrar porque o destino a escolheu para ser madrinha da Ana, a fazer-me companhia, a olhar de soslaio para o meu colo, a entreter-me o medo com conversa. A médica a mandar-nos ficar lá algumas horas sob observação. E ali ficámos os três com a Ana, devagarinho e sem pressas, com todo o tempo do Mundo para, finalmente, a médica nos confirmar que o traumatismo crânio encefálico fora ligeiro, a recomendar-nos vigilância apertada nas próximas 24 horas, a dar-nos todas as instruções, a Ana a poder dormir sem interrupções, no meu colo, perto do meu coração às pintinhas pretas, muitas, todas juntas, a fazer um buraco negro de medo, de vazio. 
Nós a regressar a casa, a Ana a dormir no meio de nós. Nós a vê-la dormir, numa insónia partilhada, num silêncio entre o alívio e a preocupação. Amanhece. A Ana combalida, a Ana a não lhe apetecer comer, a Ana a apetecer-lhe brincar, finalmente, O fim-de-semana a passar, a Ana a voltar ao normal. O meu corpo a sintonizar outra vez com a minha alma, a minha voz a ganhar vida, o meu coração a despintar. A Ana a ficar boa. A Ana a rir, as gargalhadas novamente a embalarem-me, a Ana a devolver a vida aos meus dias, o meu coração ao meu corpo.  

 "Mas o coração de mãe volta a crescer  quando um filho se sente finalmente melhor!”

Ninguém o explica melhor, que a Isabel Minhós, no seu ""Coração de mãe". O meu está novamente a bater ao compasso doas gargalhadas da minha filha Ana, meu amor maior. 

domingo, 9 de agosto de 2015

Aos 9 de Agosto de 2015, à Ana por ocasião do seu 3º aniversário

O amor é uma cicatriz de infinitos centímetros e meios: e tu tens-me nas tuas mãos.


Sabes, Ana, por debaixo do teu sobrolho direito, na pálpebra- mesmo cá em cima- tens uma pequena cicatriz.
Não se vê assim, à vista desarmada, mas eu sei que está lá. Deve medir 1 centímetro e meio. Mais coisa menos coisa.
Quando caíste, naquela tarde em que abriste esse bocado de pele, lembro-me dos decíbeis exactos e da cadência precisa do teu choro. Tu quase nunca choras, és pragmática e despachada, gostas de resolver os problemas ao invés de os chorares mas dessa vez doía-te o sobrolho. A mim doía-me o corpo, a cabeça e o coração, pequenino e mirrado do tamanho daquele centímetro e meio de pele que te rasgou a queda.
No hospital pegaram-te para te colar pontos, não me querias largar. Não chorei, nunca choro, porque quero que acredites que vai passar, que confies em mim. Doía-me a garganta do nó que quase me sufocava e os braços do colo vazio por te terem tirado de junto de mim. Olhavas-me com olhos de medo, de não-me-deixes e pedi-lhes de forma assertiva que me deixassem pegar-te. E foi no meu colo, num choro baixinho e controlado, a tua pele colada à minha, o calor do teu corpo junto ao meu, que te colaram aquele centímetro e meio de pele rasgada.
Sabes, Ana, talvez caso nunca chegues a ler este texto ou nunca te conte este episódio, te dês conta da cicatriz quase invisível de um centímetro e meio na tua pálpebra superior direita. Mas ela faz parte da tua história e eu estava lá quando tiveste que ser pegada ao colo, aninhar-te e consolar-te.
Fazes hoje 3 anos. A tua memória, provavelmente, não será tão poderosa que te recupere as imagens, os sons, os cheiros, os toques e os sabores destes três anos que vivemos juntas, os primeiros da tua vida, uma constante surpresa, uma descoberta sem fim. Mas, tal como a pequena cicatriz por debaixo do teu sobrolho direito, eles foram marcados por emoções intensas, por quedas, por colos, por secar de lágrimas com os meus lábios, e beijinhos mágicos a servirem de remédio para os teus dói-dóis, de olhares curiosos teus a quererem saber mais do Mundo, de palavras minhas a explicarem-te a vida e, sobretudo, das minha mãos. 
De dares de mão a conduzirem-te às tuas primeiras descobertas, o mar, o avião que rompia as nuvens, os animais do jardim zoológico, as mesmas mãos que te empurram o baloiço para que sintas o que é, mais ou menos, voar, que se fecham e se encostam à barriga para que o braço faça uma espécie de nó e te carregue num colo só teu para te poupar os passos pequeninos que se cansam, que te limpam as lágrimas quando cais, te penteiam o cabelo quando está desalinhado, te fazem cafuné quando queres vencer o sono que te fecha os olhos e eu peço-te que te rendas, te acariciam a face quando precisas de carinho, te preparam comida com minúcia e te estendem o prato na mesa, que te seguram para ires à sanita dos crescidos ou quando queres espreitar por cima de um gradeamento, que te massajam quando sais do banho e precisas de creme no corpo para te sentires um bombom, que te fazem cócegas para te acordarem gargalhadas, te apertam as mãos com força no Inverno para te darem calor e te seguram o dedo polegar enquanto rodopias em volta do teu próprio corpo quando queres dançar. 
Talvez, Ana, a tua memória não te ofereça as lembranças destes três anos que passaram mas essa cicatriz quase invisível e as minhas mãos- que irão envelhecendo enquanto tu cresces- serão testemunhas deste amor que fizeste nascer em mim  e que te retribuo sempre na medida do melhor que consigo fazer, estar e, principalmente, ser.  Que consiga sempre pegar-te ao colo quando te doer e assistir a cada sorrir. 
O meu amor por ti, Ana, pode ser como essa cicatriz, não se ver, assim, à vista desarmada, mas tu sabes que está lá. Tem a medida de todos os uns centímetros e meios das tuas células, todos os gramas da tua alma, toda a essência que carregas em ti. Mais coisa menos coisa.
Acredita em mim: estes três anos foram maravilhosos. Essencialmente, porque quem nasceu naquele 9 de Agosto de 2012, não foi mais ninguém: foste tu. Tu para mim.

Feliz Ano Novo, meu amor. Para sempre. 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Podes meter no pause?

Querida Ana, 

Tens dois anos e quatro meses (quase cinco). Um dia quando tiveres a idade das mães perceberás a lógica de medirmos o tempo assim, em meses, em semanas, fracções mais pequeninas, como se houvesse uma qualquer necessidade de fragmentarmos o tempo em unidades minúsculas e isoladas para o encaixotarmos melhor nas memórias. 
Decoro-te todos os dias: quando acordas, quando brincas, quando fazes expressões que me lembram antepassados meus e teus e inventas novas- só tuas!- quando me estendes os braços a pedir "coio", quando te encostas a mim no sofá, de mansinho, como que a pedir abrigo, quando adormeces nos meus braços. 
Estás pesada mas nunca te senti tão leve como quando te carrego ao descermos as escadas de casa para que não tropeces, quando te encaixas nos meus quadris para que te ajude a descansar as pernas velozes e traquinas, quando adormeces no meu colo. Estamos a crescer juntas, filha, e à medida que tu te tornas mais pesada para o Mundo mais o meu Mundo se adapta a ti, mais força ganho nos braços, mais super poderes ganham os meus lábios quando me apontas os dói-dóis para eu beijar, menos pesada me pareces, meu amor, calibrados que estão os nossos corpos. 
Às vezes apetecia-me ter um comando e colocar esta tua idade no "pause", ficares assim para sempre, já não bebé mas ainda não uma menina crescida, comunicando com palavras atrapalhadas, dançando com gestos descoordenados, dormindo sem pressas nem compromissos no dia seguinte e sorrindo sem razão, só porque sim, porque és feliz. 
Dizem-me que o melhor está para vir e eu acredito porque, connosco, o amor e e encanto do teu crescimento tem tido uma magia crescente, o melhor esteve sempre para vir. 
Mas agora está tão bom e queria meter o "pause", ficarmos assim para sempre: tu pequenina e feliz, a encaixares-te nos meus quadris quando te sentas ao meu colo, a caberes na perfeição na curva do meu pescoço quando adormeces com a cabeça pousada nos meus ombros, a olhares-me com olhos de amor sem fim, sem cobranças nem cansaços, a dizeres-me com voz de bebé crescida como gostas de mim. 

(E pudesse eu um dia fazer-te sentir, em medidas fraccionadas- como as do tempo- o quanto eu de ti...)

sábado, 15 de novembro de 2014

Querida Ana, algumas dicas da tua mãe para lidar com os gatos (e, daqui a uns anos, com os homens)

1- Ignora-os. Se andares a persegui-los vão fugir sempre de ti. Finge que não lhes estás a passar cartão nenhum e, devagarinho, começarão a sentir curiosidade acerca de ti, a chegar-se mais perto e a quererem festinhas.
2- Não os sufoques. Não os estrafegues, não os apertes em demasia, não lhes tires o ar à força de tanto os quereres. Sê meiga, acarinha-os quando estiverem pousados mas aprecia a ligeireza com que andam à solta. Se assim fizeres, voltarão sempre para fazer ninho no teu colo.
3- Dá-lhes comida, bebida, afecto e calor e tens-nos felizes da vida. Não precisam de muito mais para querer ficar.
4- Na maior parte das vezes preocupas-te apenas com os parasitas externos. Mas lembra-te que expurgar os internos é mil vezes mais importante.
5- Podes comprar algo para eles arranharem mas irão sempre dar cabo dos teus sítios preferidos com as unhas É a maneira de mostrarem que gostam de ti.
6- Adoram coisas que mexem e fazem barulho. Diverte-te com o chinfrim!
7- Se eles se portarem mal dá-lhes um grito. Bater não faz nada. Eles detestam barulho. Cedem sempre com resmunguice. 
8- Estes seres não têm dono. Têm mates.
9- Nunca tenhas a prepotência de achar que os escolhestes. Eles é que te escolhem, sempre, a ti.
10- Aparentemente não são a melhor companhia, a mais leal, a de amor mais condicional. São mais independentes, desligados, cheios de personalidade e, até, um bocadinho snobs. E é, exactamente por isso, que tu nunca lhes vais conseguir resistir.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Aos 9 de Agosto de 2014, à Ana por ocasião do seu 2º aniversário




Quando soube que estava à espera de uma menina as pessoas diziam-me que o meu Mundo se ia encher de cor-de-rosa. Mas tu nasceste com estes olhos azuis e trouxeste uma imensidão de céu e mar à minha vida.
Há dois anos nasceste-me e trouxeste-me ao Mundo como se o Mundo sempre estivesse lá mas só se fizesse Mundo aos meus olhos, ali, naquela primeira troca de olhares entre nós: céu e terra, mar e areia, os meus olhos e os teus. 
Há dois anos pariste-me mãe como se a vida pudesse ser virada às avessas e, de repente, eu e tu fossemos una para sempre, mãe e filha, umbigo de amor impossível de cortar. 
Há dois anos chegaste, das águas e é de água que é feito o nosso amor: límpido, transparente, cristalino e natural, azul como os teus olhos. 
Há dois anos mudaste a nossa vida para sempre e tudo é mais maravilhoso desde então. 
Hoje olhei para o céu com uma maravilhosa lua cheia de graça, fechei os olhos, e agradeci a todas as estrelas: tu és a materialização do cumprimento de todos os meus desejos, minha filha, meu bebé crescido, meu grande amor...
Parabéns, minh'Ana e obrigada por teres chegado à nossa vida mas, especialmente, teres nascido de mim para mim, tornando o meu Mundo incrivelmente mais azul. 
Ano-te!

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Tropeçar num texto antigo e renovar votos


"Eu não quero uma filha racing. Não aspiro uma filha que dê voltas à pista da vida mais depressa que os outros. Que chegue primeiro a lado nenhum.

Eu não preciso de uma filha que se sente aos 4 meses, que ande aos 6 e que fale aos 9. Eu quero uma filha com tempo para experimentar a vida, ao seu ritmo. Uma filha que não engula a vida, com pressa, mas que a saboreie devagarinho.
Eu não sonho com uma filha que leia aos 3 anos, que faça fracções aos 6. Eu quero uma filha com tempo para questionar cada aprendizagem, para reflectir sobre ela, a aperfeiçoar ou a pôr de lado e explorar alternativas. Uma filha que experimente a vida como se estivesse num provador e que escolha a que melhor lhe assente, sem olhar a moda ou padrões impostos.
Eu quero uma filha com o seu próprio estilo de vida. Sem pressões para ser mais rápida, mais esperta, melhor. Eu quero uma filha que não entre em corridas, comparações, inseguranças de quem se baliza pela norma. Eu quero uma filha que crie as suas próprias regras de felicidade e seja fiel às suas convicções . Eu quero uma filha com tempo para poder reflectir naquilo que serão os seus dogmas, as suas crenças, a filosofia com que regerá o que a torna feliz.
Eu não quero uma filha “primeirasss!”, uma filha de “quadro de honra” da vida, uma filha que faz para se sentir admirada, invejada ou role-model para os outros. Eu não quero uma filha que precise de validação externa, de palminhas, de histórias partilhadas nas revistas de bebés. Eu quero uma filha que tenha os aplausos dentro de si.
Eu não quero uma filha sobredotada. Eu quero uma filha sobrefeliz."



Texto de Março de 2013. Sentimento de e para sempre. 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

É Carnaval, Ana, espero que não me leves a mal

Querida Ana, 

Não sei se vais adorar o Carnaval como a tua avó ou detestar tanto quanto a tua Tidinha mas, por enquanto, cá vou cumprindo os rituais de mãe. 
O ano passado fantasiaste-te de vaca ou, como diz o teu pai, de "guexa". Este ano serás uma Minnie, contra o meu gosto que acabei de abrir a minha página de facebook e dei de caras com umas 34364748 Minnies diferentes. Isto de ser mãe não é nada fácil: se por um lado quero que te mascares do que mais gostas (e, caramba. se adooooras o raio da Minnie) por outro lado acho que ficarias tão mais engraçada vestida com uma qualquer outra fantasia mais original. 
O teu pai quer que vás de Minnie desde o princípio. Defende que o Carnaval é das crianças e que as fantasias as devem fazer felizes a elas e não servir como montra de vaidades dos pais e tentativa de individualização dos mesmos. Yeahhh, ele tem razão (tem quase sempre). 
Mas, filha, o Carnaval são dois dias e não te vai custar muito alinhares na máscara que a mãe te está a fazer para o outro dia, certo? Bem sei que não é de Minnie nem de Noddy nem de Pocoyo nem de Caricas que são, basicamente, os bonecos que identificas e que adoras. Mas é fofinho, filha, faz-me lá a vontade. 
Prometo que, em troca, deste Carnaval em diante não te faço sinais gigantes no buço com eyeliner, não te maquilharei como uma traveca e não te vestirei kispos em cima dos vestidos esvoaçantes. E se te mascarar de princesa prometo- aqui perante muitos leitores- que não te vou comprar vestidos pinguços e tiaras de plástico manhoso. 
Portanto, tem paciência para esta tua mãe. Só este Carnaval, em que o teu vocabulário ainda não chega para me contrariares. 
Um beijo da tua mãe
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