"Apartas o cabelo ao meio, agarras um pedaço de cada vez e penteias devagar. Depois das duas partes penteadas, juntas tudo e penteias por inteiro, de uma só vez". Sempre que me vejo em frente do espelho da casa de banho, a pentear o cabelo, sempre sem excepção, oiço a voz da minha avó nesta ladainha: "apartas o cabelo ao meio...".
Eu era adolescente e as hormonas tinham tomado conta do meu cabelo, outrora liso, agora cheio de jeitos e rebelde, muito fino e muito basto, sempre a enriçar e a fazer nós. Às vezes pensava em cortá-lo para me poupar ao trabalho de o desembaraçar todas as manhãs, enervava-me, irritava-me, apetecia-me escová-lo à bruta, partir os nós e o cabelo com ele mas depois a voz, paciente, da minha avó: " apartas o cabelo ao meio...".
A minha avó sempre me pediu que não cortasse o cabelo e sempre que eu desesperava em frente do espelho vinha por trás e tirava-me a escova da mão impaciente e começava a pentear-me: "apartas o cabelo ao meio".
Um dia, era eu universitária e numa manhã de bad hair matinal a minha avó penteava-me, sem pressa e dizia-me a ladainha "apartas o cabelo ao meio..." e eu sorri e atirei "esse conselho dos cabelos aplica-se a todos os problemas, 'vó: temos sempre que os apartar e desembaraçar aos poucos, pedaço a pedaço e depois, com tudo com menos nós e embaraços, dar uma escovadela final, né?" E a minha avó riu e disse "nos cabelos e na bida, tem que ser sempre assim: apartar sempre ao meio, agarrar um pedaço de cada vez e desembaraçar cada pedaço para depois juntar tudo e passar uma escovadela no fim e ficar tudo certinho".
Tenho saudades das mãos da minha avó na escova, da escova no cabelo, da expressão "apartar" e da vida ser dita com "b" de bela e de boa. E talvez seja por isso que eu nunca corto o cabelo: para nunca me esquecer como se resolvem os problemas na vida ou talvez apenas para, sempre que me olho ao espelho, nunca deixar de ouvir a voz da minha avó pela manhã.
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