sábado, 4 de janeiro de 2025

Revivalismo blogosférico




Faria, este ano, 20 anos desde a criação deste blog. Arquivei mais de 8500 posts para escrever este aqui, pela primeira vez, em muitos anos. 

Às vezes falávamos entre nós - as dinossauras da blogosfera- que um dia voltaríamos. Nunca voltámos por preguiça, falta de vontade, inércia ou descrença de que este formato voltasse a interessar a alguém. Talvez só nos interessasse mesmo a nós, que escrevíamos. Uma espécie de ego-dependência revivalista. 

Depois outras vezes- muitas- lá vinham pessoas a comentarem nas minhas redes sociais de que tinham saudades do blog. Eu lia e ria-me, enternecida, e na dúvida sobre se as pessoas tinham, de facto, saudades do blog ou saudades de quem eram e de quem eu era quando liam o blog. 

Não tenho certeza de que as redes sociais tenham humanizado as relações virtuais. 

Quando aqui comecei a escrever, há 20 anos,- antes do facebook, dos tuc-tucs, do spotiffy, do meu casamento, dos robots inteligentes, da morte dos meus avós e dos meus tios, das influencers, do tik tok, da netflix, da skincare, do fim do anonimato dos blogs, das unhas de gel e das extensões de pestanas, da inteligência artificial e da Ana- a internet era de acesso mais ou menos restrito, uma espécie de Conforama, Moviflor ou lojas de móveis de Paços de Ferreira antes do IKEA democratizar a decoração e todos nós termos mais ou menos as casas iguais, que é o que agora sinto quando abro as redes sociais. 

Toda a gente sabe que a a Conforama, a Moviflor e as lojas de móveis de Paços de Ferreira são capazes de estar ultrapassadas e que muitos móveis são feios que doem mas, lá no meio, sinto alguma autenticidade na madeira que não é folha de contraplacado e não consigo deixar de admirar a durabilidade da mobília de pinho da sala da casa da minha tia que, não sendo moderna e cool, tem sobrevivido digna e impecável às várias estantes Billy das minhas diferentes casas ao longo destes anos. 

Dizia eu que quando aqui comecei a escrever, há 20 anos, havia de tudo e para todos os gostos, muito bom, bom, médio, sofrível; real e ficcional, generalista e temático, divertido e deprimente, individual e colectivo. Mas era tudo muito mais real e humano: éramos pessoas que escrevíamos em blogs muito antes de nos empurrarem a ser chamados de bloggers, depois de criadores de conteúdos digitais e a milhas da ideia aterradora de sermos influencers.  

Falávamos das nossas vidas, das nossas experiências, das nossas ideias e pensamentos, das nossas opiniões e indignações, muito antes de nos enviarem press releases e amostras para divulgarmos barritas de cereais, nos pedirem orçamentos para publicarmos posts com guiões encomendados por marcas, muito antes de percebermos que poderíamos vender os nossos blogs, como montras de marketing, e monetarizarmos a actividade de escrever como fonte de rendimento. 

Tínhamos quase todas nicknames embaraçosos, éramos anónimas e não aspirávamos à fama, aliás, tudo o que mais temíamos era sermos descobertas, para não perdermos a liberdade de dizer que estávamos apaixonadas pelo nosso melhor amigo, que nos sobrava mês ao final do salário, que tínhamos crises nas nossas relações amorosas, que odiávamos estar grávidas, que o cão xixava em todo o lado e que só nos apetecia rifá-lo, que ouvíamos os vizinhos pinar e temíamos cruzar-nos com eles no elevador sem nos finarmos a rir, que o patrão era um cretino, a nossa mãe estava na menopausa e a nossa sogra era uma sem noção (e era um patrão abstracto, uma mãe generalista e uma sogra personagem-tipo que, para o efeito, não interessava saber quem eram efectivamente, nunca era sobre o patrão,a mãe ou a sogra: era só sobre a nossa visão da vida adulta).

As pessoas comentavam, algumas em anónimo, outras também com nicknames meio ridículos que hoje as envergonhariam, todas tinham que fazer login para nos comentarem (por que, entretanto, a maioria de nós, as que escrevia, deixou de aceitar comentários anónimos), muitas enviavam-nos emails compridos e bonitos, a dizer que se tinham identificado com o que havíamos escrito, outras a partilharem desabafos, e abrir a caixa de email e escrever requeria tempo e disponibilidade, não era simplesmente o vómito imediato de um comentário numa rede social.

Não tínhamos que tirar fotografias, editar luminosidades, fazer e editar vídeos com grwm e pranks: éramos nós, as palavras e os que, generosamente, nos liam (qual followers, qual quê?). 

Éramos apenas pessoas reais, com vícios e virtudes e muito inocentes no uso da internet. Emissores, mensagens, receptores: a simplicidade linear da comunciação. 

Não sei se este post será único, tenho vontade que não o seja, mas nem tudo obedece à minha vontade, descobri 20 anos depois. Vinte anos, entretanto.

Também não sei se manterei o blog público porque antes não sabia para quem escrevia mas hoje sei que, em formato público, escrevo para muita gente para quem não quero. Acredito que é muito mais feliz escrever-se para desconhecidos que para conhecidos, porque nos dá uma sensação (talvez falsa, talvez errada) de que nos julgam menos, de que fazem menos juízos de valor; porque não corremos o risco de, no talho, a Sra. Maria nos confrontar com um "então, divertiram-se em Freixo de Espada a Cinta? Vi no teu instagram!" quando tudo o que queremos é apenas falar para o ar do maravilhoso que foi ver o Douro em Freixo de Espada à Cinta e não fazer small talk com a Sra. Maria.

Também não sei se voltarei a libertar alguns posts dos rascunhos (ou algumas rubricas, talvez) porque terei que as ler aos olhos de 2025. O Mundo mudou. Eu também. Logo se vê.

A Ana pediu no Natal passado um gira-discos. E depois no seu aniversário uma velha máquina de escrever. 

"Para quê se tens spottify e ipad e tudo moderno, Ana?"- perguntei. 

"Gosto de ouvir as imperfeições das músicas nos discos de vinil e o gozo que me dá escrever poemas carregando tecla a tecla na minha máquina de escrever, tão antiga, tão bonita, mãe..."

20 anos depois cá estou. Porque como a Ana gosto de imperfeições e de escrever, tecla a tecla. 

Não sei se é o regresso dos blogs 

Mas a minha parte está feita (Ouviste Sofia? Ouviste Jonas? Ouviste São João? Ouviste Luna? Ouviste Prezado?).

Feliz 2025! 

Sejam gentis. 


56 comentários:

a Gaja disse...

Gostei de te ler ou reler, não sei.

Pólo Norte disse...

Até dei saltinhos com este primeiro comentário. :) Obrigada! (Volta também!)

Joana Bela disse...

Que maravilha! Chamem nos antiquadas, revivalistas, old fashion. Há coisas que não deviam simplesmente acontecer: pestanas falsas, deixar de escrever e o acordo ortográfico. Não necessariamente por esta ordem. Um beijinho e bom ano, Ana.

Pólo Norte disse...

Opá, tão bom este comentário! Tão bom receber comentários! :) Beijinho e bom ano!!!

Web 2 disse...

Sou muito old,mas tenho saudades dos blogs, a pólo norte,a andorinha...

Anaia disse...

Que saudades!!! Ainda cá estava guardado, nos favoritos, mesmo que já privado.
Lembro-me de tanto que por aqui se passou.
Ainda esta semana fui ao WC do Ikea e não pude deixar de me rir sozinha, porque me lembro sempre da saga.
Volta, se quiseres, e quando quiseres.
Cá estaremos à tua espera. 😘

Ana Pragana disse...

Uma Polete será sempre uma Polete. I love Pólo Norte.

Tânia Ribeiro disse...

As saudades que eu tinha! Obrigada!

Cláudia Soares disse...

E de repente tinha 20 anos outra vez! Bem vinda de volta

Pólo Norte disse...

Também tenho. E palpita-me que essas miúdas de há 20 anos estejam mulheres ainda mais interessantes, Adorava que a São João, a Alexandra, a Grande, a Andorinha, a Helena e todas elas voltassem a escrever neste formato. :)

Pólo Norte disse...

Muito - mas mesmo muito- obrigada por este comentário tão fixe. Obrigada por esperares e por me receberes assin. Vou voltar.

Pólo Norte disse...

I love Ana Pragana <3

Pólo Norte disse...

E as saudades que eu tinha de escrever e receber feedback neste formato? Obrigada eu.

Pólo Norte disse...

Os 40 são os novos 20. Mentira: os 40 são os novos 40 e ainda bem! É mesmo bom voltar.

Ana disse...

Um dia voltamos, também era o que pensava muitas vezes. Tenho saudades da blogosfera das imperfeições e realidades das casas e das vidas, dos nicknames embaraçosos (eu era a Anouska xD). Ainda escrevi no meu em 2019, foi estranho. Era bom, tenho saudades

Patricia Furtado disse...

Obrigada por esta prenda! Feliz 2025!

P.S. Estou a restaurar a máquina de escrever do meu avô. Vivam as imperfeições!

Pólo Norte disse...

Volta! O que te impede?

Pólo Norte disse...

Patrícia! Preciso de restaurar uma que também me ofereceram! Fazíamos aí uns encontros para trocar ideias. Vai que até mais gente tem máquinas de escrever por restaurar? (Obrigada eu por leres)

Tella disse...

Que bom!
Eu, que sou uma incognita da blogosfera, que continua a escrever (para mim? Para o eu de 20250? Para os meus filhos?Para a Carolina, amiga e unica leitora que me lê?) num blog sem interesse nenhum, emocionei-me com o teu regresso.
Viva o tempo das imperfeições, das introspecção e do tempo lento .

Secretária Encantada disse...

Caramba até chorei a ler isto 🥲 que saudades doutros tempos ...

AL disse...

Bem vinda e que seja para ficar.

CatJ disse...

Pólo Norte!
Fico muito contente com o regresso...tinha saudades! Ainda me lembro como me impactou começar a ler-te, por altura dos meus 20 anos. Obrigada por voltares :) Beijinhos

Custódia C. disse...

Neste momento não consigo ler com a devida atenção, mas amanhã vou ter tempo para ler tudo. É uma nostalgia boa!

paula disse...

Uau! Bem-vinda

c. disse...

Só por isso 2025 já está a ganhar pontos! Imagina quando chegarmos a Dezembro e regressar o PPC?lol 😁

Rita Pacheco disse...

Aii que saudades dos blogs!!! Adorei esta prenda dos reis. 😄

Simplesmente Eu disse...

Que maravilha!

Patricia Furtado disse...

Excelente ideia! Tenho um amigo que é especialista nisso, pode ser que nos ajude. Por enquanto encomendei uns materiais de limpeza e comprei uma fita nova para substituir nas bobinas, mas ainda não comecei.

Iceberg disse...

Passwords recuperadas!

Mamã Petra disse...

As saudades que eu tinha de te ler, que emoção, li-te grávida dos meus 3 filhos mais novos, sendo que o Gabriel já tem 18 anos, a Mafalda 11 e quando o Valentim nasceu o blog já estava parado, lembro-me de estar a dar de mamar e ter um ataque de riso brutal, adorei ler, adorei ter-te de volta.
Assinado: Fátima Agostinho também conhecida neste mundo por Mamã Petra

Sérgio disse...

Só me resta mesmo dizer que o ano de 2025 começa bem.

luisa l disse...

Que bom! Há muito tempo esperava por isto! Bom Ano Novo, com todas as rubricas e sempre com e por # anaamaior.

Pólo Norte disse...

Podes partilhar o link do blog? Vou colocar ali no lado direito os links desta #A revolta dos blogs 2025. :)

Pólo Norte disse...

Ohhhhh! Que bom! Que bom! Beijinhos meus

Pólo Norte disse...

Sem promessas, mas também espero. :) Ou melhor, desejo.

Pólo Norte disse...

Catarina: que fixe este teu comentário. Não é falsa modéstia - que não tenho feitio para isso- mas, ainda hoje, me custa a acreditar que o que escrevi aqui durante anos, em jeito meio despretensioso e inconsequente de desabafo, possa ter tido impacto para algumas pessoas. Obrigada por isso.

Pólo Norte disse...

Bom ano novo. Este mais quadripolar!

Pólo Norte disse...

Obrigada!

Carla Miguel disse...

Que entusiasmo!!! 2025 começa tão bem com o regresso destas linhas 😍 Que seja para continuar, com as mesas rubricas ou com outras, mas sempre a ler-te! Beijinhos!

Sofia disse...

Adorei reler-te neste espaço! Que tenhas um 2025 incrível 💜

Pólo Norte disse...

Muito obrigada, Sérgio! (caguei no primeiro nome, como já deves ter percebido...:P )

Pólo Norte disse...

Muito generosa a forma como este comentário me acolheu. Obrigada por isso, Carla!

Pólo Norte disse...

Fátima!!!!!! Como assim o Gabriel já tem18 e nós continuamos as duas com 30 e poucos?! 18 tem o Artur, por amor de Deus! Estou cho-ca-da!

Pólo Norte disse...

Yeahhhhh!

Pólo Norte disse...

Ohhhh! Obrigada!

Pólo Norte disse...

Obrigada! E eu estou a adorar o excitex de ler comentários aqui! Obrigada por isso!

Pólo Norte disse...

Fica aqui prometido que, se chegar a Dezembro, este ano volta o PPC!

Pólo Norte disse...

Beijinhos, querida tia Custódia!

Pólo Norte disse...

Obrigada e igualmente! Um beijinho

tes disse...

Gosto tanto deste blog! 😘

Pólo Norte disse...

Muito, mas mesmo muito, obrigada.

Marco disse...

Deste fóssil pré quadripolar.
*

Pólo Norte disse...

Mais de 20 anos e ainda continuo a achar que é Mértola em vez de Serpa... *

Sofia Ferreira disse...

Que bom voltar a "ler-te" por aqui...!!! Confesso que sempre gostei mais de blogues e do respectivo "anonimato" do que do (quase) exibicionismo que existe no IG... Obrigada por voltares e nos trazeres contigo!!!

Xanda Paula disse...

Eu sei que não vais acreditar... Mas precisamos disto. E que nos moas o juízo.

Marisa Reis disse...

Feliz 2025 Pólo Norte/Liliana :) eu nunca usei Nickname, uso os nomes do meio, e a liberdade dos blogs é mesmo essa, não nos conhecerem...comecei em agosto de 2007, já pausei algumas vezes mas nunca parei por completo, há anos com 100 posts mas também há anos com meia dúzia deles. Por vezes faço pausas também nas leituras e depois um dia dá-me na cabeça e leio um ano de enfiada como se de um livro se trata-se. A Liliana não pode falar no IKEA que me vem logo á memória a peripécia da WC.... Bom regresso, beijinhos

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