quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O Mundo divide-se...

... entre as pessoas que, mal espreita o Outono, ainda andam de chinelos e as que passam logo a andar de calçado fechado/botas

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Gostava de morrer velha.




Gostava de morrer velha. Velha, velhinha. Ainda melhor, gostava de morrer velha e de velhice. Como se a vida quisesse pedir a conta final e fechar a despesa, satisfeita e de papo cheio, pronta a levantar o rabo da mesa e sair de mansinho, olhos fechados, memórias arrumadas, papo cheio, sensação de fecho da loja.

Contas feitas, fecharia os olhos, papudos e enrugados, com aquele esverdeado que todos os olhos dos velhos ficam, verde árvore para se poder regressar à terra com a copa a tocar no céu e largariam a VT, acho que se diz assim nos programas de televisão, com os momentos mais felizes que acumulei.

Nesse pequeno trecho, de uma vida longa, apareceriam os burros do @moinhodomaneio, as ondas do mar negro do cabelo da Anabela sem mariquice nem nhonhozice a darem-nos as boas vindas de verdade, o ribeiro que desbravamos com a canoa azul e gargalhadas amarelas de sol, os saltos da minha filha no trampolim e os risos a chegarem bem alto no espaço, caudas de sereia na piscina, agora a Eillen e eu a gargalharmos, à ceia, enquanto cantamos a banda sonora da Tieta do Roque Santeiro depois de jogarmos Remmy a beber chá de caramelo e a comer broas de mel e estas manhãs preguiçosas em que quero sair para o pequeno almoço e a Ana dorme no meio de nós, as persianas de madeira azul a rebentarem para nós deixarmos entrar o sol e a vida que é vivida no presente, que deve ser vivida como um presente. Uma cauda de sereia a secar à porta, no fim.

Queria morrer velhinha agarrada ao papel colorido da vida que desembrulhei, contemplando o passado que foi um presente, mete-lo debaixo do braço e dizer adeus, estava tudo óptimo, obrigada, sim?

domingo, 26 de setembro de 2021

O Mundo divide-se...

 ...... entre as pessoas que acordam com o humor certo e não querem conversa de manhã e as outras.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Apartas o cabelo ao meio

"Apartas o cabelo ao meio, agarras um pedaço de cada vez e penteias devagar. Depois das duas partes penteadas, juntas tudo e penteias por inteiro, de uma só vez". Sempre que me vejo em frente do espelho da casa de banho, a pentear o cabelo, sempre sem excepção, oiço a voz da minha avó nesta ladainha: "apartas o cabelo ao meio...".

Eu era adolescente e as hormonas tinham tomado conta do meu cabelo, outrora liso, agora cheio de jeitos e rebelde, muito fino e muito basto, sempre a enriçar e a fazer nós. Às vezes pensava em cortá-lo para me poupar ao trabalho de o desembaraçar todas as manhãs, enervava-me, irritava-me, apetecia-me escová-lo à bruta, partir os nós e o cabelo com ele mas depois a voz, paciente, da minha avó: " apartas o cabelo ao meio...".

A minha avó sempre me pediu que não cortasse o cabelo e sempre que eu desesperava em frente do espelho vinha por trás e tirava-me a escova da mão impaciente e começava a pentear-me: "apartas o cabelo ao meio".

Um dia, era eu universitária e numa manhã de bad hair matinal a minha avó penteava-me, sem pressa e dizia-me a ladainha "apartas o cabelo ao meio..." e eu sorri e atirei "esse conselho dos cabelos aplica-se a todos os problemas, 'vó: temos sempre que os apartar e desembaraçar aos poucos, pedaço a pedaço e depois, com tudo com menos nós e embaraços, dar uma escovadela final, né?" E a minha avó riu e disse "nos cabelos e na bida, tem que ser sempre assim: apartar sempre ao meio, agarrar um pedaço de cada vez e desembaraçar cada pedaço para depois juntar tudo e passar uma escovadela no fim e ficar tudo certinho".

Tenho saudades das mãos da minha avó na escova, da escova no cabelo, da expressão "apartar" e da vida ser dita com "b" de bela e de boa. E talvez seja por isso que eu nunca corto o cabelo: para nunca me esquecer como se resolvem os problemas na vida ou talvez apenas para, sempre que me olho ao espelho, nunca deixar de ouvir a voz da minha avó pela manhã. 

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Casamentolímpicos: rumo à prata

 


O segredo de um casamento é, no fim do dia, da semana, da vida, no fim de vários caminhos, atalhos e desvios, no fim do tempo e do espaço arranjarmos um ponto fixo de intersecção para nos encontrarmos.
O segredo de uma relação é querermos a mesma coisa mesmo quando queremos coisas diferentes mas, no fim, querermos no limite que resulte, que fiquemos juntos, que continuemos.
O segredo de uma relação é darmos ao outro o que o outro precisa, não apenas o que queremos dar ou, aliás, o segredo é precisamente passarmos a querer dar exactamente o que o outro precisa. Não se dá ao outro o que gostaríamos que nos dessem a nós: damos ao outro exactamente o que o outro precisa e estamos predispostos a dar porque precisamos urgentemente de fazer o outro feliz. E o outro para ele somos sempre nós e queremos o mesmo. Ama-se em espelho.
O segredo de uma relação é não sermos estrangeiros nem turistas na vida do outro: é aculturararmo-nos, aprendermos uma língua comum, termos um visto, uma autorização de residência, depois nacionalizarmo-nos e podermos finalmente fazer casa no peito do outro.
O segredo de uma relação é amar o outro como ele é. Não como o romantizamos, não como queríamos que ele fosse, não como o projectamos: amá-lo exactamente como ele é.
Este ponto de encontro entre o que queremos e o outro quer, o que precisamos e o outro precisa e entre amar o que o outro é, real e cru, este ponto de encontro é a solução do teorema de Pitágoras do amor.
Há 15 anos que, às vezes, tentamos perceber o que o outro quer e precisa. Há 15 anos que, especialmente, nos amamos tal e qual como somos. Há 15 anos que tentamos muito, com vontade, energia, investimento, intuição. Consistência e coerência. Persistência e constância. E por isso resulta ou tem resultado, diz-me tu: porque sou eu e tu e o plural que se encontra neste cruzamento com coordenadas GPS que temos marcadas na pele, na alma, no bem querer.
O segredo de um casamento é não fazer puto de ideia de qual é o segredo e ir com impulso, intuição e fé.
Feliz 15 aniversário de casamento, Rui. Amar-te é simples, fácil e natural. Ser amada por ti é tudo o que quero e preciso. Ser uma pessoa melhor para tu amares orienta a bússola dos meus dias.
Norte. Sul. Este. Oeste. O meu ponto de encontro és sempre tu.
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