A maravilha do regresso à normalidade dos dias cá dentro. Lá fora continua tudo uma merda: guerra, violação dos direitos humanos, incerteza e a angustia de estarmos à mercê de um ditador russo psicótico.
Mas cá dentro- por mais egocêntrico que pareça- é sempre pior. Porque antes de morarmos no Mundo moramos em nós.A maravilha do regresso à normalidade. A minha mãe bem, de regresso ao trabalho. A minha mãe sem fumar há mais de um mês e eu sentir o cheiro da minha mãe pela primeira vez, sem resquícios de fumo e de tabaco. A Ana de férias de Páscoa, criativa e energética, às vezes- como agora- estiraçada no sofá a ver uma série na Netflix. A gata a apanhar o sol tímido desta manhã de Abril no peitoral da janela. O Rui em tele-trabalho noutra divisão, eu aqui na sala. Silêncio bom, por escolha e não por angústia ou medo das palavras, na casa. Cheira a café quente na cozinha, acabado de fazer com café solúvel e água fervida e eu acho que vou vender a máquina de pastilhas e comprar uma cafeteira das antigas.
Não faço ainda a cama. Deixo arejar os lençóis sob a incrível colcha de lã de tear que gamei à minha sogra da última vez que estive nos Açores. Já consegui dormir sem insónias, já consigo respirar sem nós na garganta nem a ansiedade a esmiufrar-me o peito.
Agradecemos muitas vezes os dias especiais e esquecemo-nos de valorizar os dias normais, sem sobressaltos e previsíveis, seguros e felizes por definição.
Lá fora está uma merda, eu sei, mas antes de moramos no Mundo moramos em nós. E em nós regressa a normalidade e o aconchego dos dias banais.
Que bom que é.