quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Foram dias e dias. E meses e anos no mar. Percorrendo uma estrada de estrelas. A stalkar.

Há um episódio de Modern Family em que a DeDee, ex-mulher de Jay, morre. 

DeDee não é uma personagem muito querida, até porque Gloria, a jovem e sexy mulher actual de Jay, sente-se ameaçada pela mãe dos filhos mais velhos do marido e, na verdade, a Gloria é a personagem estrela de toda a série. 

Ora, neste episódio específico, e depois de muitas peripécias ao longo de várias temporadas, a DeDee morre. Quina. Kaput. 

E antes de morrer a Dedde manda fazer uma figurinha dela em pvc que oferece aos netos para que não se esqueçam dela. Acontece que, durante todo o episódio, a figurinha da agora falecida é esquecida, pousada, encafuada em vários sítios inusitados, sendo que, inadvertidamente, Gloria apanha vários cagaços ao cruzar-se com a bonequinha de plástico da ex-rival que está, literalmente, em todo o lado.

Sou suspeita- que adoro a trama de Modern Family- mas o episódio divertiu-me, à época, horrores. 

Até que o esqueci mas só até este Natal, em que os meus sogros vieram passar as festas connosco. Porque... a minha sogra decidiu fazer-se acompanhar da sua própria DeDee. 

No primeiro dia, ao pequeno almoço, esqueceu-se dela na consola da entrada e eu, acabada de sair da cama, bati com os olhos na senhora, ali, pousada, a fitar-me. Sorri, intrigada sobe o que raio fazia aquela figura ali.

No segundo dia, já me tinha esquecido da senhora, quando sentada à mesa de jantar, viro-me para trás para apanhar um saca-rolhas, e ali está ela em cima da estante, armada em Mona Lisa a micar-me. 

Fingi não ter reparado, não tossi, não mugi, não perguntei nada. Aquele mistério haveria de se desvendar. 

E, durante quinze dias, entre fases em que a minha sogra via reels e rezava em simultâneo porque o multitasking a assiste, a porra da senhora estava em todo o lado: na cozinha, na sala, na casa de banho social, na minha casa de banho, no bolso da minha sogra, na mala da minha sogra, no parapeito da janela da sala, em cima da escrivaninha, no quarto da Ana, quase que podia jurar que a cheguei a ver dentro do microondas. Everywhere. A fitar-me, a micar-me, a stalkar-me. 

Acabaram as férias de Natal e a minha sogra voltou para a terra. 

Não sei como vos dizer que sinto um certo vazio face ao seu desaparecimento. Mas depois lembro-me que ela era exactamente assim:


Não é medo: é respeito. 

Mentira: é medo mesmo, caredo!

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Ajuda do público




E agora?

Desbloqueio rubricas que estão em rascunho (as Quadripolarizações?)?

Transfiro para aqui posts que estão perdidos nas redes sociais?

O que mantenho das rubricas anteriores?

Quem me estará a ler em 2024? Existirão leitores do início e dos primórdios do blog?

Haverá por aqui pessoas pela primeira vez?

O que gostariam mesmo de ler estas pessoas?


Sim: vocês!


[Se isto se aguentar até Dezembro fica aqui a promessa pública do regresso do PPC]

O mundo divide-se entre...

... as pessoas que são orgulhosamente proprietárias de uma airfryer e as outras. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Soooooltem a parede

 A rúbrica "O Mundo divide-se" saiu do arquivo. 

Updates #Mámen

 


Continua a viver comigo e a resistir, de forma estóica, aos mil acidentes domésticos que lhe provoco. Tipo no primeiro dia do ano, o dia em que lhe pedi ajuda para me ligar o carregador do computador à tomada e quando veio ao de cima deu uma cabeçada épica na poleia do candeeiro de parede e quando vimos estava com a testa com um lenho que não parava de deitar sangue. "Queres ir ao hospital? Desculpa! Desculpa!"- eu aflita. 
"Estou casado contigo há quase 20 anos: achas que não tenho sempre pontos de colar na caixa de primeiros socorros?"

Está benzinho, obrigada. 

Piaçaba de ouro




 A pessoa volta e é muito comentário a evocar o post do IKEA. 

E o IKEA nunca deu o devido valor, nem um piaçaba de reconhecimento, nada. 

A modos que é isto: a minha carreira na blogosfera resume-se a um post mal cheiroso. 




Porca miséria.

O momento em que te sentes velha pela primeira vez.

 


No outro dia vi no threads a pergunta: "Quando foi que te sentiste, pela primeira vez, velha?".

Fiquei a remoer naquilo algum tempo. Terá sido quando me trataram por "senhora" pela primeira vez a atenderem-me numa loja? Quando me morreram os meus avós e deixei de ser a menina de alguém? Quando comecei a apreciar vinho tinto? Quando passei a ser "a mãe" e me despojaram do meu nome próprio assim que a minha filha nasceu e as educadoras, as pediatras e as pessoas que gostam mais de crianças que de adultos me passaram a tratar assim? Quando passei a não suportar a ideia de uma noite passada numa discoteca ou de um bar barulhento? A preferir passagens de ano em casa? A usar fato de banho em vez de bikini para disfarçar a barriga pós-parto? Quando passei a temer abrir a caixa do correio porque são só cartas com contas para pagar?Quando comecei a dar conta que me nascem cabelos brancos, as pálpebras descaem, tenho olheiras debaixo dos olhos e as minhas bochechas cedem à gravidade? Quando me convidaram para o jantar de 25 anos do fim de curso? Quando percebi, há dias, que este ano vou ser mãe de uma filha verdadeiramente adolescente?

Não. Foi hoje quando percebi que já não tenho dores apenas numa estação do ano mas em todas. Na Primavera as alergias e a febre dos fenos, espirros e o camandro. No Verão a tensão baixa, as coxas assadas e a sensação de desmaio constante. No Outono o início dos resfriados, constipações e gripes  várias. E, claro, no Inverno o cliché das dores musculares, os joelhos a rangerem e os ossos enregelados. 

Não sei se agora, também como com os meses do ano, se escrevem as estações do ano em letra minúscula. Eu não escrevo, quero mais que vão para o Inferno. 

Sou uma pessoa idosa de forma consistente nas 4 estações.  E no manguito constante ao uso do acordo ortográfico. 

Aguentam-me?

Morreu a Adília.

 Oiço no telejornal que a Adília Lopes morreu, enquanto ponho a mesa, pratos perfilados, os meus sogros de visita cá em casa, o Rui a chamar-me da cozinha "não te esqueças de levar os guardanapos!", a Ana a discutir com a cadela, a minha sogra a perguntar-me se pode usar a casa de banho do meu quarto, a reportagem com a cara da Adília, eu a tentar ouvir a notícia mas sem querer escutar, o meu sogro a ir buscar os guardanapos, eu estarrecida, congelada, "pode antes ir à casa de banho social? É que a minha casa de banho está desarrumada!", a cadela a ladrar para a Ana, "pões a base da panela na mesa?", a Ana a rir "a mãe odeia panelas na mesa: mete numa travessa, pai!", a minha sogra a arrastar-se, contrariada, para a casa de banho social, os guardanapos a serem dobrados por mim roboticamente, a Adília- agora morta- a recitar um poema, naquele jeito de dona de casa lisboeta, uma personagem da Alice Vieira da minha infância, a mãe da Maria João do livro "Úrsula, a Maior", a cadela a saltar em meu redor a pedir atenção, a Ana a juntar-se à sala "onde está a avó?", a minha sogra a responder "Oh Diabo, deixei cair um xanax no chão da casa de banho e a gata acabou de o comer!", a mesa posta, o meu sogro sentado à cabeceira, a Adília morta, a travessa na mesa, a gata drogada, eu incrédula, em negação.

Houve muitos dias em que a Adília escreveu para mim. Sobre mim, que sou mortal e desinteressante, igual a ela.  

De um xanax preciso eu.

domingo, 5 de janeiro de 2025

A revolta dos blogs #oMovimento



E quem mais, em 2025, ainda tem um blog activo ou vai reactivar o seu velho blog?


Chutem-me os vossos links na caixa de comentários para eu actualizar ali na minha barra lateral. Váááá!

Updates # a minha mãe

Ontem a minha tia celebrou mais um aniversário e o jantar foi cá em casa. 

No final da noite, decidimos jogar um jogo que gostamos muito: cada um escreve um nome de um personagem famoso num post it e cola na testa da pessoa sentada ao seu lado. 

Depois, um a um, vamos fazendo perguntas fechadas (ou seja, cuja resposta possa ser apenas "sim" ou "não") até descobrirmos "quem somos".

Primeira rodada, antes mesmo do jogo começar, a minha mãe agarra muito discretamente no telemóvel, como quem vai ver se caiu alguma mensagem, ouve-se um click do obturador da câmara, pousa o telemóvel, com a maior cara de pau. 

Eu, que a topo a léguas, percebo tudo: tirou uma selfie para descobrir o nome que tinha escrito no post it na testa para ganhar logo à primeira, e todos a admirarmos pela profunda perspicácia. 

Está igualzinha, obrigada. 

Acabei o ano a arrumar a arrecadação


Peluches do Noddy, da elefanta cor-de rosa de cujo nome já não me lembro, da Ursa Teresa e do Mafarrico. Mershandising variado dos vários festivais do Panda e porcarias várias com a cara da Pipa porque a Ana nunca gostou da Clarinha. Nenucos, roupinhas dos Nenucos e carrinhos dos Nenucos e a miúda nem nunca curtiu por aí além bebés e jogo simbólico com bebés. Todo um manancial de vestidos de princesas e bonecas da Elsa e da Ana e o dinheiro que congelei para todo o sempre em porcarias da Frozen. Tendas, casinhas, yourts e cheira-me que, se um dia, a miúda for uma nómada hippie fui eu que impulsionei a trend. Camisolas da Vampirina, malinhas da Princesa Sofia, iô-iôs da LadyBug e walkie-talkies do Gato Noir. LOLs e o atentado ecológico de toneladas de plástico em bolas redondas onde vinham as bonecas, cada uma ao preço de uma caixa de camarão. Barbies, barbies, muuuuuuitas barbies, casas das Barbies, carros das Barbies, a caravana das Barbies a esperança que um dia venha a ter uma neta para amortizar a fortuna gasta em Barbies. Unicórnios em overdose: peluches, roupas, my little poneys, livros, miniaturas, um busto de unicórnio para a parede tipo aqueles bustos de veados que os caçadores malucos americanos têm nas cabanas. Portas de casas de fadas e miniaturas variadas de mobiliário de casas de fadas. Trolls, cadernetas de cromos dos Trolls, bandoletes com organza a imitar os cabelos dos Trolls. Harry Potter, varinhas, cachecóis, bloquinhos de folhas, canetas e lápis e mais umas cenas de borracha com caras de Harry, do Ron e da Hermione com um buraco e que se enfiam no topo dos lápis. Wednesday, tote bags da Wednesday, sweatshirts da Wednesday, gorros da Wednesday. 

Tenho a história do imaginário de 12 anos da minha filha encafuada em caixas de plástico. 

E, de repente, a Taylor Swift já não me parece tão mal.

O Mundo divide-se...

... entre quem sabe o que é um blog e os outros. 

[Acham que vale a pena eu libertar o histórico da rúbrica "o Mundo divide-se"?]

sábado, 4 de janeiro de 2025

Revivalismo blogosférico




Faria, este ano, 20 anos desde a criação deste blog. Arquivei mais de 8500 posts para escrever este aqui, pela primeira vez, em muitos anos. 

Às vezes falávamos entre nós - as dinossauras da blogosfera- que um dia voltaríamos. Nunca voltámos por preguiça, falta de vontade, inércia ou descrença de que este formato voltasse a interessar a alguém. Talvez só nos interessasse mesmo a nós, que escrevíamos. Uma espécie de ego-dependência revivalista. 

Depois outras vezes- muitas- lá vinham pessoas a comentarem nas minhas redes sociais de que tinham saudades do blog. Eu lia e ria-me, enternecida, e na dúvida sobre se as pessoas tinham, de facto, saudades do blog ou saudades de quem eram e de quem eu era quando liam o blog. 

Não tenho certeza de que as redes sociais tenham humanizado as relações virtuais. 

Quando aqui comecei a escrever, há 20 anos,- antes do facebook, dos tuc-tucs, do spotiffy, do meu casamento, dos robots inteligentes, da morte dos meus avós e dos meus tios, das influencers, do tik tok, da netflix, da skincare, do fim do anonimato dos blogs, das unhas de gel e das extensões de pestanas, da inteligência artificial e da Ana- a internet era de acesso mais ou menos restrito, uma espécie de Conforama, Moviflor ou lojas de móveis de Paços de Ferreira antes do IKEA democratizar a decoração e todos nós termos mais ou menos as casas iguais, que é o que agora sinto quando abro as redes sociais. 

Toda a gente sabe que a a Conforama, a Moviflor e as lojas de móveis de Paços de Ferreira são capazes de estar ultrapassadas e que muitos móveis são feios que doem mas, lá no meio, sinto alguma autenticidade na madeira que não é folha de contraplacado e não consigo deixar de admirar a durabilidade da mobília de pinho da sala da casa da minha tia que, não sendo moderna e cool, tem sobrevivido digna e impecável às várias estantes Billy das minhas diferentes casas ao longo destes anos. 

Dizia eu que quando aqui comecei a escrever, há 20 anos, havia de tudo e para todos os gostos, muito bom, bom, médio, sofrível; real e ficcional, generalista e temático, divertido e deprimente, individual e colectivo. Mas era tudo muito mais real e humano: éramos pessoas que escrevíamos em blogs muito antes de nos empurrarem a ser chamados de bloggers, depois de criadores de conteúdos digitais e a milhas da ideia aterradora de sermos influencers.  

Falávamos das nossas vidas, das nossas experiências, das nossas ideias e pensamentos, das nossas opiniões e indignações, muito antes de nos enviarem press releases e amostras para divulgarmos barritas de cereais, nos pedirem orçamentos para publicarmos posts com guiões encomendados por marcas, muito antes de percebermos que poderíamos vender os nossos blogs, como montras de marketing, e monetarizarmos a actividade de escrever como fonte de rendimento. 

Tínhamos quase todas nicknames embaraçosos, éramos anónimas e não aspirávamos à fama, aliás, tudo o que mais temíamos era sermos descobertas, para não perdermos a liberdade de dizer que estávamos apaixonadas pelo nosso melhor amigo, que nos sobrava mês ao final do salário, que tínhamos crises nas nossas relações amorosas, que odiávamos estar grávidas, que o cão xixava em todo o lado e que só nos apetecia rifá-lo, que ouvíamos os vizinhos pinar e temíamos cruzar-nos com eles no elevador sem nos finarmos a rir, que o patrão era um cretino, a nossa mãe estava na menopausa e a nossa sogra era uma sem noção (e era um patrão abstracto, uma mãe generalista e uma sogra personagem-tipo que, para o efeito, não interessava saber quem eram efectivamente, nunca era sobre o patrão,a mãe ou a sogra: era só sobre a nossa visão da vida adulta).

As pessoas comentavam, algumas em anónimo, outras também com nicknames meio ridículos que hoje as envergonhariam, todas tinham que fazer login para nos comentarem (por que, entretanto, a maioria de nós, as que escrevia, deixou de aceitar comentários anónimos), muitas enviavam-nos emails compridos e bonitos, a dizer que se tinham identificado com o que havíamos escrito, outras a partilharem desabafos, e abrir a caixa de email e escrever requeria tempo e disponibilidade, não era simplesmente o vómito imediato de um comentário numa rede social.

Não tínhamos que tirar fotografias, editar luminosidades, fazer e editar vídeos com grwm e pranks: éramos nós, as palavras e os que, generosamente, nos liam (qual followers, qual quê?). 

Éramos apenas pessoas reais, com vícios e virtudes e muito inocentes no uso da internet. Emissores, mensagens, receptores: a simplicidade linear da comunciação. 

Não sei se este post será único, tenho vontade que não o seja, mas nem tudo obedece à minha vontade, descobri 20 anos depois. Vinte anos, entretanto.

Também não sei se manterei o blog público porque antes não sabia para quem escrevia mas hoje sei que, em formato público, escrevo para muita gente para quem não quero. Acredito que é muito mais feliz escrever-se para desconhecidos que para conhecidos, porque nos dá uma sensação (talvez falsa, talvez errada) de que nos julgam menos, de que fazem menos juízos de valor; porque não corremos o risco de, no talho, a Sra. Maria nos confrontar com um "então, divertiram-se em Freixo de Espada a Cinta? Vi no teu instagram!" quando tudo o que queremos é apenas falar para o ar do maravilhoso que foi ver o Douro em Freixo de Espada à Cinta e não fazer small talk com a Sra. Maria.

Também não sei se voltarei a libertar alguns posts dos rascunhos (ou algumas rubricas, talvez) porque terei que as ler aos olhos de 2025. O Mundo mudou. Eu também. Logo se vê.

A Ana pediu no Natal passado um gira-discos. E depois no seu aniversário uma velha máquina de escrever. 

"Para quê se tens spottify e ipad e tudo moderno, Ana?"- perguntei. 

"Gosto de ouvir as imperfeições das músicas nos discos de vinil e o gozo que me dá escrever poemas carregando tecla a tecla na minha máquina de escrever, tão antiga, tão bonita, mãe..."

20 anos depois cá estou. Porque como a Ana gosto de imperfeições e de escrever, tecla a tecla. 

Não sei se é o regresso dos blogs 

Mas a minha parte está feita (Ouviste Sofia? Ouviste Jonas? Ouviste São João? Ouviste Luna? Ouviste Prezado?).

Feliz 2025! 

Sejam gentis. 


domingo, 29 de dezembro de 2024

Viver é resistir

 Tenho passado os últimos anos num conflito interno sobre o que está na nossa ação e o que nos foge completamente ao controlo.

A minha experiência absolutamente empírica diz-nos que quase a totalidade dos acontecimentos resultam de factores externos que dificilmente controlamos. O que, na verdade, não é muito difícil de gerir por mim que odeio planear e que lido bem com o imprevisto, que sou flexível e adaptável em demasia e que giro muito bem a frustração. Ou talvez até seja porque o mecanismo de coping que arranjei para controlar tudo isto e não me maçar muito é desistir de controlar: assim a vida- essa cínica trágico cómica- já não me apanha desprevenida. Ou talvez apanhe, mas nunca muito.

Continuo, por isso - ou apesar disso (ainda não descobri) - a odiar surpresas. Sei que parece horrível e desromântico mas um dia farei um clube das pessoas fritas como eu que odeiam e dispensam surpresas. Para surpresa já temos a vida.

O Jorge Palma fala nisto numa canção sobre esta coisa de se ser um optimista céptico e o Jorge Palma nem imagina mas todas as músicas que eles escreveu ou escreve são para ou sobre mim.

Esta coisa de formular desejos ou de fazer resoluções de ano novo tem-me parecido parva nestes últimos anos, para além de que é ridículo associar isto a passas (alguém gostará verdadeiramente de passas?) porque enfarde eu as passas que enfardar- ou vista na passagem de ano as cuecas da cor que vestir- nada faria prever as cirurgias aos olhos da minha mãe, o internamento e as dores chatas, os livros todos que me ficaram por ler, o frigorífico que só tinha 3 anos e pifou, o inundação na casa, as férias adiadas com a minha melhor amiga, a minha incrível falta de vontade de partilhar o que escrevo, os quilos a mais, o cabrão do cabelo quebradiço mesmo que eu não o pinte para o poupar, os problemas nos dentes da miúda mais a mudança de escola que tardou a acontecer e a culpa materno judaico-cristã, mais a guerra na Ucrânia e na Palestina, o Trump nos States, o horror da Pelicot, o aquecimento global e a vida.

Talvez tenha só concluído que viver é, sobretudo, resistir a estes caldos e belinhas da vida, às vezes socos e pontapés.
E responder com um pirete assim.

sábado, 28 de dezembro de 2024

Foi um Natal bom

 



Foi um Natal bom. Vamos recuar e relembrar primeiro que fui internada. E que não foi nada fixe mas não interessa, voltei para casa e para a lufa-lufa do trabalho e quando dei por isso era Natal.

Foi um Natal bom. Tirando que tivemos uma infiltração cá em casa e não se descobria de onde vinha e o meu soalho começou a levantar e vieram cá um empreiteiro, outro e mais outro e lá activámos o seguro e vou ter grande parte de 2025 em obras, o que já promete, mas não interessa porque é uma oportunidade para remodelar a casa.

Foi um Natal bom. Bem, isto se ignorarmos que, nas vésperas dos meus sogros chegarem para uma estadia de quinze dias cá em casa, o frigorífico avariou. Antes disso o esquentador. E agora o IKEA só me consegue entregar o frigirifico a 31 de Dezembro e estou a ter uns dias brilhantes de gestão de refeições à jorna. Mas nao interessa nada porque é uma forma de eu testar a minha capacidade de encontrar soluções criativas.

Foi um Natal bom. Se nos esquecermos que, os dias de compensação que recebi do meu trabalho tive que os dedicar à Associação onde insanamente decidi ser Presidente voluntária, e passei-os todos enfiada na Zona J, a trabalhar de casaco e luvas numa sala com 7 graus, porque a Gebalis nao responde há 21 meses aos nossos emails, e entra frio pelas janelas e escorre porcaria pelas parede da vizinha de cima e havia relatórios de projectos com prazos a terminar a 24 de dezembro e candidaturas ao funcionamento a terminar a 31 de dezembro e, claramente, não interessa porque sempre é uma forma desafiante para acabar o ano.

Foi um Natal bom. A minha sogra diz que lê os meus textos aqui mas só as primeiras frases e a última porque são muito grandes e eu tenho muitas, inúmeras saudades do meu blog em 2012. Não interessa porque agora sou muito mais sensata e madura.

Foi um Natal bom. A MEO decidiu cobrar-me uma conta que nunca me apresentou antes, datada de 2008, e eu vou ter que arranjar um advogado para me ajudar a não dar uma de serial killer como o outro giro que matou o outro dos seguros, porque não interessa, eu agora sou uma senhora.

Foi um Natal bom. Tão bom que não me queixo de nada, não interessa, sou uma menina crescida.
Que o pariu.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Feliz Ano Velho ainda está aqui

O Natal era o de 1996 e eu e a Cláudinha, minha melhor amiga de adolescência, parávamos, amiúde, na livraria Bertrand do Cascaishopping que tinha um pé direito gigante e estantes até ao tecto, uma mezanine com varandim e escadas daquelas de bibliotecas, a deslizar pelas prateleiras. 

 Não havia FNAC, nesse tempo, em que folheávamos livros incríveis naquela Bertrand específica e eu bati com os olhos neste livro. É fácil perceber quando um livro vai tornar-se num dos livros da minha vida: leio-o todo de seguida, entre noite ou entre dia, numa obsessao de urgência, como cumprir aquela historia fosse o mais urgente e prioritário objetivo da minha vida. 

Aconteceu quando eu tinha dez anos com o "Abram a porta ao meu pai", aos doze com a "Ursula, a maior", aos 17 com "Os Maias", aos 18 com os "Cem anos de solidão". E com este "Feliz Ano Velho" aos 16 anos, muito empurrada por aquela frase do "proibido a venda no Brasil', a soar a livro controverso e polémico, mesmo que aos 16 anos, rara adolescente lisboeta, nada soubesse sobre o período de ditadura do Brasil. O

 Marcelo foi o meu primeiro crush por um escritor e foi para ele que escrevi a primeira e ultima carta a um famoso, que temo que nunca tenha encontrado o devido destinatário. Hoje, consciente da fama astronómica do escritor no Brasil, e ciente de que o filme que tarda a chegar a Portugal e que dizem que trará o Óscar a Fernanda Torres irá tornar o Marcelo num hype, sinto um bocadinho a tristeza de ter que partilhar o meu escritor preferido com o Mundo em geral.

 Leiam-no vocês então também. E depois contem-me tudo.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Limetree

 A maior aprendizagem que se pode fazer na vida é saber lidar com o fim da vida. Primeiro o dos outros, sempre como projeção do nosso.

Há dois meses morreu um homem íntegro, um bom marido, um pai presente, uma pessoa entusiasmada e cheia de vontade de viver, com planos e projectos, vida por cumprir.
Colaborámos juntos num projecto dele, para o qual eu estava despreparada e ele achou que não, e fiquei sempre com uma dívida de gratidao pela sua crença irrealista em mim. Esta era uma das características distintivas desse homem, que ja cá não está e eu nunca lho vou poder dizer, uma coragem inconsequente em arriscar. Sem medo de perder nem de bater de frente com o insucesso e o fracasso.

Fizemos coisas giras juntos, num tempo em que descobriamos o poder e o perigo das redes sociais e em que, por escrever num blog, havia muita gente a acreditar na minha despreparação.
Tenho pensado muito nele e na finitude da matéria que somos, das pessoas que amamamos e que permanecem para além de nós, das pessoas que continuamos a amar e que desaparecem assim, como ele, sem levar a barriga cheia de vida sem se ter fechado o prato da existência e cruzado os talheres em sinal de satisfação.

Talvez eu propria morra sem conseguir aceitar o ciclo ilógico da nossa existência. E talvez a morte daqueles com quem privámos refeições à mesa, conversas enquanto se lavava loiça à mão, ideias para projectos que nunca se realizaram seja apenas um evento sem sentido nenhum, do qual não se retira qualquer lição ou aprendizagem, apenas a constatação triste da nossa própria insignificância no universo e que tudo o que nos sobra é acreditar.

Crer.

sábado, 15 de junho de 2024

New race

 Ao princípio não foi simples. Eu tive medo mas achei que o Mundo e os astros estariam em sintonia com os valores com que te temos educado e que tudo se iria ajustar. Eu tive medo, já disse? Esta também é a minha primeira volta no carrossel da vida e muitas vezes nao consigo acompanhar o balanço e só fico tonta e nauseada. Tambem na tua educação. Principalmente na tua educação.

Acabou por nunca ser simples. O Mundo e os astros desalinharam-se muitas vezes. E os valores com que te temos educado mostraram que eram os melhores para ti, apenas e apenas se vivessemos num Mundo onde estes valores de compromisso, diversidade, humanidade, integridade e o respeito inabalável por quem se é, sem desvios nem vontade de existir em função das expectativas dos outros, de se ser fiel ao que se acredita sem querer ser o que o outro espera, esta maturidade no estabelecimento de limites, fossem universais. Não são.
Pedimos muitas vezes que te ajustasses. Que flexibilizasses. Que nao levasses tão a sério os teus dogmas e as tuas crencas. Até que percebemos que nunca podemos pedir que deixes de ser tu em função do colectivo, da norma. Na verdade, nunca te educámos para a norma.
Nunca te desviaste do teu caminho. Essa rigidez que tantas vezes nos preocupa dá-nos o alento de acreditarmos que, de tudo o que de bom te ajudámos a ganhar, a tua integridade foi a nossa maior vitória. És inabalável. O orgulho que sentimos de ti.
Entraste com dez anos acabados de fazer. Corrias aos saltinhos para o portao, com a mochila maior que tu, cheia de nervos mas sempre com coragem e valentia.
No fim não foi fácil. Nunca foi fácil.
Hoje foi o ultimo dia e, no proximo ano, nao sabemos o que nos espera. Mas temos esperança que encontres a tua tribo. "Hoje estou felistre, mãe"-disseste de manhã. "Felistre" é o meu novo neologismo preferido. Eu diria ambivalente mas, na verdade, estou feliztre contigo: feliz pelo novo ciclo que nos espera, triste porque nunca foi fácil. Mas a vida é muito este equilibro entre a felicidade e a tristeza.
Hoje foi o ultimo dia de uma das tentativas do primeiro dia do resto da tua. Muitas te esperam vida fora. Nao e game over: é new race. May the odds be in your favor.

domingo, 2 de junho de 2024

O pior de ter filhos

 O pior de ver os filhos crescer é ter que os deixar experimentar a dor. A tristeza. O desânimo e a frustração. A raiva e a desilusão.

E não poder estar lá para dar beijinho no dói -dói porque às vezes- quase sempre- o dói -dói é na alma e não está aqui ao alcance dos nossos lábios.

O pior de ver os filhos crescer é às vezes não ser tão claro explicares o funcionamento do Mundo e da vida, porque muitas vezes não há racional nem lógica no que acontece e coisas más acontecem a pessoas boas e coisas boas acontecem a pessoas que nem sempre prestam.
O pior de ver os filhos crescer é já não conseguires delimitar o bem do mal com tanta clareza, de muitas vezes tudo o que ensinaste que é certo não os levar a lado nenhum porque há o contexto e os outros, e se a maioria escolhe o que tu consideras errado pois que é o errado que estabelece a norma. É teres que os ver aprender, pelos próprios meios, que as injustiças vão sempre acontecer e que muitas coisas que não estão certas vão ser normalizadas mas que é seu dever moral nunca as considerar "normais".
O pior de ver os filhos crescer é quereres que eles sejam aceites sem desvirtuarem os seus valores, sem abrirem mão da sua ética, sem prescindirem da sua liberdade individual mas que, muitas vezes, o caminho pode ser solitário para quem não cede à maioria, para quem pensa pela sua cabeça, para quem não deixa que o colectivo esmague o individual.
O pior de ver os filhos crescer é perceberes que só educaste aquela pessoa mas que não educaste o Mundo e que é no Mundo que aquela pessoa se vai mover e que terá que sobreviver.
O pior de veres os filhos crescer é perceberes que o teu colo já não chega para ser o coito na corrida da vida e que não podes colocar airbags em redor da existência daquela pessoa pequena e que crescer é duro e implica saltar de desconforto em desconforto, que descobrir-se quem se é já é duro, mas descobrir-se quem se é no Mundo é uma tarefa hercúlea.
O pior de ver os filhos crescer é perceber que eles serão cada vez mais do Mundo tentando travar que deixem de ser cada vez menos teus.

sábado, 23 de dezembro de 2023

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