Quando o avô morreu eu entrei na sala e tu choravas baixinho. Quando me viste choraste mais, com mais força, mas simultaneamente mais baixinho, e tapaste o rosto com aos mãos como se tivesses vergonha da fragilidade, embaraço da vulnerabilidade. Tinhas sido sempre crescida, durante toda a minha vida, era a primeira vez que te via pequenina, com as mãos a tapar os olhos verde azeitona, verde louro, verde teus avó, como uma criança que esconde a cara com o bibe quando fica assustada e tem medo do Mundo.
Eu também tive medo, avó, desse Mundo que veio depois do avô e que nunca mais foi o mesmo e também chorei baixinho e com força, acho que foi contigo que aprendi a chorar sem histerias, baixinho e com força, como quando tinha muitas dores e, já adultas - as duas- tu vinhas para a minha cama e te deitavas ao meu lado a embalar-me para me adormeceres a dor.
Naquele dia o avô morreu e tu não quiseste ir ao velório, nem ao funeral e ninguém percebeu porquê. Ficaste em casa a fazer comida, e tu mal conseguias fazer comida, a mão que me embalava tinha sido silenciada pelo AVC, continuava porém a fazer comida e a embalar-me, no Minho as mulheres alimentam os vivos que choram os mortos.
E nunca mais abriste a porta do teu quarto e do avô, já não havia vocês os dois, só a porta fechada, como o Mundo fechado ficou e talvez, por isso mesmo, tu tapavas o rosto como uma criança com medo tapa a cara com a fralda do bibe. Três anos depois adormeceste na sala, olhos verde louro fechados, nunca mais tinhas entrado no quarto, fizeste comida até à última refeição, a mão com o AVC, e dessa vez não acordaste, assim com força e baixinho partiste, talvez para ires fazer comida para o avô que te esperava, botas de borracha e sorriso com dentes tortos.
E eu fiquei, e deixaste-me a Ana na barriga, segredo que só descobri dias depois, para poder ter quem embalar, para me abrir as portas do teu quarto e do Mundo, para usar bibes sem tapar o rosto, para poder continuar a chamar Ana como te chamava a ti, vó Ana, para me deitar ao seu lado hoje, ela já dorme, e embalá-la, com força e baixinho, para ver se adormeço a saudade que, agora crescida, trago em mim.
Amanha faço comida eu.
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