Uma pessoa está em desmame de medicação fortíssima.
Uma pessoa tem como efeitos secundários da medicação prisão de ventre.
Uma pessoa tem como efeitos secundários do desmame da medicação a libertação desenfreada de ventre.
Uma pessoa precisa de ir comprar umas coisas à IKEA.
No meio do labirinto da IKEA o ventre duma pessoa decide começar a ter um espasmo, uma mistura de samba e wrestling.
Uma pessoa grita ao marido "Já venho, toma aí conta da miúda", atira o carrinho pelos ares e começa a fazer marcha até ao wc que fica nos confins da IKEA.
Uma pessoa repara que a filha de uma pessoa decidiu segui-la porque também está "com vontade de fazer xixi" .
Uma pessoa começa a correr mas a filha de uma pessoa não a acompanha, o que faz uma pessoa ter que abrandar o passo e ter medo de se finar escatologicamente.
Uma pessoa começa a surtar, pega na filha ao colo, espeta-na ao colo na anca e regressa ao treino de marcha.
Uma pessoa avista a casa de banho.
Uma pessoa irrompe a casa de banho aflitivamente.
Uma pessoa pousa a criança e começa a desapertar o próprio cinto à velocidade da luz.
Uma pessoa ouve uma vozinha "Mas mãe, eu preciso primeiro de fazer xixi"
Uma pessoa respira fundo, limpa o suor da testa e começa a ajudar a filha de uma pessoa a despachar-se.
A filha de uma pessoa começa, muito lentamente, a cortar pelo picotado quadradinhos de papel higiénico e a forrar o tampo da sanita com toda a calma e precisão do Mundo para "se sentar sem tocar na tampa, mamã!".
Uma pessoa começa a perceber que o seu ventre está a dançar a rumba e que provavelmente está prestes a dar-se uma tragédia.
Uma pessoa continua a observar a filha de uma pessoa a forrar de papel higiénico meticulosamente a tampa da sanita.
Uma pessoa lembra-se do Mr. Ben a embrulhar presentes naquela cena do "Love Actually".
Uma pessoa grita "tu por amor de Deus despacha-te, Ana*!"
Uma pessoa ouve a filha "shhhhhhh"
Uma pessoa começa a controlar a respiração e a filha interrompe o "shhh" para fazer uma pergunta parva.
Uma pessoa grita em surdina para não se ouvida em toda a casa de banho da IKEA "Faz xixi depressa já imediatamente!"
Uma pessoa vislumbra o fim do "shhhh"e pensa que tem que falar ao pediatra da capacidade tétrica de retenção de urina da bexiga da filha da pessoa.
Uma pessoa limpa a filha de uma pessoa e - finalmente!- consegue aliviar-se.
Uma pessoa ouve uma vozinha "Preciso de oxigééénio!"
Uma pessoa abre os olhos e "shhhuttt! cala-te!"
Uma pessoa continua a ouvir "Cheira muito mal, mamã! Já disse que preciso de oxigénio!"
Uma pessoa ainda está a articular uma resposta quando dá pela filha da pessoa a abrir violentamente a porta do seu cubículo da casa de banho, deixando uma pessoa de ceroulas pelos joelhos sentada no real trono à vista de todas as utilizadoras da dita casa de banho.
Uma pessoa agarra na filha de uma pessoa pelo cachaço e puxa-a para dentro, fechando a porta.
Uma pessoa ouve risadas silenciadas do lado de fora da portinhola.
Uma pessoa volta a ouvir numa voz flautada "Ó mãe, porque é que tens a sanita toda suja?!"
Uma pessoa atira um "Shuuut, não se diz isso, pá!"
Uma pessoa ouve de resposta " Ó mãe, porque é que tens a sanita toda limpa?"
Uma pessoa revira os olhos e manda a criatura calar-se, por favor.
Uma pessoa volta ouvir a ladaínha "Mas eu preciso de respirar! Socooorro! Preciso de oxigénio!"
Uma pessoa acaba o serviço e vai para se limpar convenientemente.
Uma pessoa dá conta que a filha de uma pessoa gastou todo o papel higiénico a forrar a sanita para fazer xixi.
Uma pessoa pede à filha que vá à cabine sanitária do lado buscar papel higiénico.
Uma pessoa fica outra vez na montra de toda a casa de banho, sentada e de ceroulas pelos joelhos, à custa da filha escancarar a porta toda para ir buscar papel higiénico à cabine do lado.
A filha de uma pessoa regressa... com um quadrado de papel higiénico.
Uma pessoa pondera suicidar-se com o fio do autoclismo quando percebe que o autoclismo está dentro da parede.
Uma pessoa pede à filha que volte para buscar mais papel higiénico.
A filha de uma pessoa suspira "ainda bem, assim respiro outra vez!"
Uma pessoa volta a arregalar os olhos.
A filha de uma pessoa volta com mais dois quadradinhos rasgados meticulosamente pelo picotado de papel higiénico.
Uma pessoa percebe, nas trezentas vezes, em que já ficou exposta de cuecas a tira colo à vista de todas as pessoas que frequentam a casa de banho, que há uma empregada de limpezas no espaço partilhado.
Uma pessoa instrui a filha de uma pessoa a pedir papel higiénico à empregada de limpezas.
A filha de uma pessoa sai da cabine da casa de banho muito assertivamente.
Uma pessoa ouve: "Olá, a minha mãe está toda borrada ali dentro, podia-nos arranjar papel higiénico?"
Uma pessoa pensa que se não morrer ali de vergonha, nunca mais morrerá.
Uma pessoa vê a filha de uma pessoa entrar, de forma derradeira, com dois rolos de papel higiénico, daqueles industriais, um enfiado em cada pulso, como se fossem pulseiras e com os braços erguidos à laia de Dom Quixote a salvar o Sancho Pança.
Uma pessoa ouve risadinhas.
Uma pessoa fica quinze minutos fechada dentro do cubículo à espera que saiam todas as eventuais testemunhas de tamanho vexame.
Uma pessoa sai, finalmente, com a miúda de esguelha, e ouve o marido de uma pessoa na parte de fora da casa de banho a perguntar: "Que raio se passou ali dentro que tem saído toda a gente dali a finar-se a rir?"
Uma pessoa questiona-se porque não se dedicou à vida religiosa e viveu uma vida de clausura sem marido nem filhos.
Uma pessoa sofre muito.
Dos nervos.
[* Nome fictício para efeitos meramente exemplificativos]