Sair de casa com o essencial. Nós- os três- e o essencial. No carro, a engolir alcatrão, a minha música. Coro desafinado e aplausos dados, entre gargalhadas, por mãos pequeninas.
Ninhos de cegonhas avisam-nos de que estamos a chegar: Marvão no horizonte.
Sermos acolhidos pela Catarina, tão linda, tão moura, pelo Nuno, o encantador de palavras, as palavras saem-lhe a rir-se, é um dom, juro que é um dom, pelo pequeno Zé Pedro, cabelos loiros e olhos azuis, pássaro do sul e pelo pequeníssimo Manel, augúrio de que tudo corre bem, tudo passa, tudo vai correr bem. O futuro a todos nós pertence.
O sol a pôr-se entre as muralhas. A Catarina manda-nos ir a pé, dá-nos palavras bonitas enquanto embala o bebé no seu colo, cegonha humana. E dá-nos um cesto com um taleigo. Cheira a pão alentejano, a queijo e a paio. Assim que fazemos saltar a rolha, cheira a vinho do bom e a miúda trinca melancia enquanto dança em cima da manta, neste seu primeiro picnic às estrelas.
Passa um grupo de pessoas e olha-nos, enternecido: uma pequena família num picnic nocturno. Cumprimentam-nos e percebem que há motivo para festa. Cantam-me os parabéns com esta pronúncia demorada, de quem tem tempo para saborear as palavras, a melodia, as palmas do fim.
O guardião do castelo deixou-nos a porta encostada, segredo de aniversário, e subimos à torre de menagem. Levo a Ana ao colo, cheira a bebé crescida.. Ele traz o cesto e a manta ao ombro, por instantes acredito que é um tapete voador e nós personagens de histórias de aladinos. No cimo, a Ana tira do cesto pedaços de hortenses que apanhou no jardim e atira-as ao ar. Chovem flores, estrelas e sorrisos, chovem interjeições de prazer enquanto se trinca um pão com caviar de azeitona, chovem gargalhadas nesta noite de Verão com uma brisa quente no cimo de um castelo e chovem murmúrios de um palato inebriado quando se brinda a noite com boleima e pastéis de castanha.
Chovem estrelas cadentes e quase que toco o céu, no melhor jantar de aniversário de sempre, no melhor restaurante do Mundo, chão de castelo e tecto de céu, decoração de risos, música ambiente de palavras de amor.
Chovem estrelas cadentes e eu peço-lhes desejos para me sentir, para sempre, assim. No telemóvel a música do carro. A minha música. Porque eles ma ofereceram. Sou princesa do homem que amo, rainha da minha filha e o Mundo é o meu castelo. E as estrelas caem e eu peço-lhes desejos, de olhos fechados, para que se possam realizar.
A Ana adormece encostada à curva do meu pescoço, o seu bafo quente embala-me e descemos os dois, de mãos dadas, cesto vazio e coração cheio. Como o meu colo.
Começou um feliz ano novo para mim.
Picnic nocturno em Marvão
Quem? Mercearia de Marvão
Onde? Rua do Espírito Santo, 1 - Marvão
Reservas? Pelo telefone 245 993 059
Saber mais? https://www.facebook.com/merceariamarvao