Oiço no telejornal que a Adília Lopes morreu, enquanto ponho a mesa, pratos perfilados, os meus sogros de visita cá em casa, o Rui a chamar-me da cozinha "não te esqueças de levar os guardanapos!", a Ana a discutir com a cadela, a minha sogra a perguntar-me se pode usar a casa de banho do meu quarto, a reportagem com a cara da Adília, eu a tentar ouvir a notícia mas sem querer escutar, o meu sogro a ir buscar os guardanapos, eu estarrecida, congelada, "pode antes ir à casa de banho social? É que a minha casa de banho está desarrumada!", a cadela a ladrar para a Ana, "pões a base da panela na mesa?", a Ana a rir "a mãe odeia panelas na mesa: mete numa travessa, pai!", a minha sogra a arrastar-se, contrariada, para a casa de banho social, os guardanapos a serem dobrados por mim roboticamente, a Adília- agora morta- a recitar um poema, naquele jeito de dona de casa lisboeta, uma personagem da Alice Vieira da minha infância, a mãe da Maria João do livro "Úrsula, a Maior", a cadela a saltar em meu redor a pedir atenção, a Ana a juntar-se à sala "onde está a avó?", a minha sogra a responder "Oh Diabo, deixei cair um xanax no chão da casa de banho e a gata acabou de o comer!", a mesa posta, o meu sogro sentado à cabeceira, a Adília morta, a travessa na mesa, a gata drogada, eu incrédula, em negação.
Houve muitos dias em que a Adília escreveu para mim. Sobre mim, que sou mortal e desinteressante, igual a ela.
De um xanax preciso eu.
4 comentários:
A Adília, mais uma no caminho dos imortais...
E das verdadeiramente insubstituíveis.
Liliana, faz um favor ao mundo: não deixes nunca de escrever! 🌸🌸
E a gata? Passou bem?
Enviar um comentário