Já não blogo do meu local de trabalho, do meu gabinete corporativo em Miraflores. Nem do telemóvel, com urgência, na minha hora de almoço em mesas solitárias de restaurantes, como fazia quando trabalhava em consultoria e passava a vida entre clientes. Já não trabalho em Recursos Humanos nem sou anónima, por isso, já não posso escrever sobre os CV que recebia com endereços de emails como "coxaspoderosas@hotmail.com" ou relatar entrevistas inusitadas, como aquela vez que entrevistei um senhor ex-combatente do Ultramar, amputado de um braço, que me esticou o seu gancho para me dar um aperto de mão e eu ia tendo um fanico.
Não consulto o sitemeeter nem o blogómetro. Nem sei, hoje, para que me interessavam os números. Nunca ganhei um cêntimo com este blog e, embora a maioria das minhas amigas diga que fui uma burra por isso, acho que fiz o que sempre me pareceu certo. Fazia-me bem ao ego. Escrever é, quase sempre, um exercício de ego. Sou como toda a gente.
Já não há uma primeira liga de blogs e eu gosto disso, mesmo que sempre tenha feito meio que parte dela, nunca fiz totalmente parte dela. Sempre fui uma outlier e gosto dessa posição indefinida. Nos blogs mas também na vida. Não gosto de pessoas que são sempre muito consistentes, muito rígidas, muito uma coisa só. Fui uma multiplicidade de coisas. Vivi mil vidas. Ainda sou e ainda vivo.
Não há pressão para escrever sobre o tema do dia, ser a primeira a deixar um ponto de vista inédito ou andar a trocar cromos em caixas de comentários. Aprendi que nem sempre preciso de dar a minha opinião. E que, muitas vezes, entre ter razão e estar em paz, o melhor é sempre estar em paz. E também aprendi que nem toda a ação tem que ter uma reação. E que o silêncio também é muitas vezes uma forma de voz.
Já não vou a todas. Escolho as batalhas, criteriosamente, e aprendi a reservar a minha energia para apenas algumas guerras. Aquelas que quero mesmo travar. E nas quais faço a diferença. Poupo-me. Poupo-me muito.
Já (ainda?) não há hate blogs nem malucos à solta. Gosto dessa sensação não persecutória que isso me permite neste exercício de escrever.
Escrevo, agora, sempre quando chego do trabalho nada glamouroso mas que é uma incrível fonte de realização. Venho almoçar a casa, com mámen, e esse é dos maiores luxos que conquistei. Almoçamos comida caseira que preparamos na véspera à noite, sentados e com vista para o jardim, sem correrias, enquanto conversamos. Temos tempo para passear a cadela que cumpre a sua função e representa um grande objecto emocional nesta fase da minha vida, em que a miúda está a crescer e precisa menos de mim. Precisamos sempre que precisem de nós? Estou a descobrir.
Escrevo sempre sentada no sofá, com tempo e disponibilidade. Reservei uma slot de tempo do meu dia para isto. Começo por ler os comentários que me deixam e que me provocam um excitex do camandro (comentem, por favor!).
Depois escrevo o que me apetece, como este texto, e sinto aliviada a necessidade de deitar cá para fora estes pensamentos soltos. A gata fica ao meu lado a receber o calor da fonte de alimentação do cumputador. Os gatos nunca precisam de nós: toleram-nos. Esta- coitada- lá me tolera a mim e à cadela, sempre com ar enfastiado. Havia muito a aprender com os gatos.
Já não cravo imagens ao Prezado. Faço-as todas utilizando a inteligência artificial e isso diverte-me imenso.
O fim do anonimato inibiu-me de escrever sobre muitas coisas giras, da forma como gostava de escrever sobre elas. Da forma como as penso e interpreto. Rio-me muitas vezes para dentro ou em círculo fechado de amigos. Tenho, agora, que pensar como as posso reescrever de forma a não melindrar ninguém. A Ana lê este blog e isso, parecendo que não, muda tudo. O que vale é que, aos 12 anos, ainda me acha graça.
Tenho tido uma pica enorme neste regresso. Não sei até quando. Mas aprendi que a vida é uma sucessão de presentes. E que "logo se vê" é a resposta certa para quase tudo o que nos acontece.
Obrigada por estarem por aí. Mesmo.
17 comentários:
Obrigada, cachopa! 😍 (olha, também tenho pensado nisto de ter que refletir antes de escrever alguma coisa, pois as miúdas (e os amigos delas) leem o que escrevo (mais no insta)…e isso pesa naturalmente na decisão do que escrever…
Daqui deste lado também tem dado um gozo enorme voltar a comentar aqui mo estaminé. 😍
Continuo a adorar ler-te, como anonima ou conhecida! Também já é rotina minha passar por aqui :) beijinhos
Ohhhh é sempre um bom momento ler-te
Que bom ler-te de novo! :)
Logo se vê é um dos meus lemas atualmente.
Grande Ursa!!!
Tão bom e tão bonito este regresso de todas as partes... Obrigada.
Muito obrigada. Mesmo.
Beijinhos grandes e obrigada!
Que bom ler comentários aqui de novo!
Ohhh! <3
"Logo de vê" é O mantra!
Tão bom !
A tua escrita mexe sempre comigo. Faz-me rir, reflectir, emocionar, questionar-me e muitas outras coisas. Tens um dom e é bom partilhá-lo. Escrever aqui vai ficando e nós lemos quando podemos, as outras redes são quase um toca e foge. Se não vês logo, já passou. Serei sempre cliente fiel!
Adoro este regresso. Tenho que começar a trabalhar e não consigo parar de ler os teus posts!
Obrigada! Que lufada de ar fresco neste mofo geral que se generalizou nas redes.
Obrigada nós por teres voltado para este "cantinho" mais acolhedor do que as redes sociais... Revejo-me bastante nessa postura de nos pouparmos e de ter como luxos a qualidade de vida e o tempo.
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