Começou no Carnaval: a mãe de uma pessoa para quem trabalho (gosto muito de ambas) queixava-se no facebook de que as pessoas estavam muito sensíveis a propósito dos comentários indignados e cheios de razão face a uma notícia de uma escola que tinha mascarado os seus alunos de negros, com peles pintadas, saias de palha e artefactos tribais.
A senhora indignava-se e quando lhe expliquei sobre apropriação cultural recusou-se a aceitar os meus argumentos, contrapondo que agora se vê “racismo em tudo”. Falei-lhe de racismo flagrante e racismo subtil com toda a boa vontade.
Continuava irredutível: que era uma forma de se mostrar a diversidade étnica e cultural, dizia a senhora e batia o pé. Contrapus para a realidade que eu e ela conhecemos: se numa escola decidissem mascarar os alunos de pessoas com deficiência, espetando-os em cadeiras de rodas ou dando-lhes canadianas, ela que é mãe de uma pessoa com deficiência, como se sentiria? Que era incomparável, que toda a vida nos mascarámos de chineses e indianos e qual era o mal. Eu continuava: porque não mascararem-se de pessoas com deficiência? Não era, pela mesma lógica, uma forma de sensibilização para a diversidade funcional?
Às vezes as pessoas têm que se remeter à sua insignificância face a temas que não as melindram, sendo humildes o suficiente para respeitarem os assuntos que melindram outrem. Não interessa se a intenção é ou não racista (normalmente é, mesmo que velada e inconsciente, é muitas vezes racismo subtil e está tão enraizada que nem damos por ela...), a questão é que se ofende, se melindra, se tem impacto generalizado na população de negros: é racismo. Mesmo que não compreendamos. Não temos que compreender (quem não consegue compreender). Temos que ser humildes e aceitar. E pedir desculpas, retratando-nos.
Isto a propósito do boneco negro que hoje jazia no iscte para gestão da raiva. “Ah, o boneco podia ser Branco”. Ah, mas não era. “Ah, mas é irrelevante, para o efeito, até podia ter sido um saco de boxe”. Mas não foi. “Ah, é apenas um ser inanimado de uma cor”. Pois mas a cor não é laranja ou roxo: representa uma figura humana negra. “Ah vocês vêem racismo em tudo!” Não está centrado no sujeito, isto do racismo, mas no objecto.
Nós podemos vê-lo ou não, desde que eles o sintam: é racismo.
Tal como seria discriminação se o boneco, de todos os bonecos que se pudessem ter escolhido para o efeito, estivesse sentado numa cadeira de rodas.
Aceitem.
Retratem-se.